O aprisionamento de
um intelectual numa narrativa mentirosa.
Em que país eu vivo?
Vivo num país que julgo viver, que para mim é país concreto, há 79 anos e quase
três meses. Sempre trabalhei e vivi de salários. Muitas vezes tive que realizar
trabalhos extras para completar o meu
salário que era “menor do que o mês”. Bem menor. Quando eu me aposentei acrescentei
aos meus salários sete quinquênios. Se eu atrasasse a aposentadoria mais dois
anos receberia mais um quinquênios. Mesmo assim permaneci mais uns 5 anos colaborando
com um programa de pós graduação, viajando, sem qualquer ganho extra. Pagava
(do meu salário) para trabalhar. Fiz o mestrado,
o doutorado e a livre-docência. Sempre resultado de pesquisa de campo. Tive
duas malárias. Nunca trabalhei fora da atividade fim da universidade: ensino,
pesquisa e extensão à comunidade. Mesmo nos dezessete anos e um mês que permaneci
na Força Aérea como radiotelegrafista de terra, utilizei o meu tempo vago para
estudar. Como casei cedo e o primeiro filho veio logo, nunca tive tempo para
aventuras e um futuro melhor para mim seria um futuro melhor para os meus
filhos.
E sou da segunda
geração de uma família italiana.
Pensando
retroativamente parece-me que segui um bom caminho a partir de uma orientação
do meu pai: siga o que está fazendo se você quiser me ajudar. Segui. E por
isto, em grande parte devo à minha formação técnica e profissional recebida na Força
Aérea como especialista de aeronáutica, em funções em que não tem muito espaço
para erros. Muitos especialistas de aeronáutica não estão mais na Força Aérea,
uns porque se demitiram para seguir outros caminhos, como foi o meu caso,
outros com a aposentadoria, todos em atividades produtivas na sociedade.
Antes da minha
aposentadoria, principalmente depois de ser admitido numa universidade pública
paulista procurei sempre trabalhar de forma aberta de modo a mostrar ao
contribuinte paulista a forma de como os seus impostos estão sendo usados.
Mesmo agora, como aposentado, as minhas ideias, as minhas contribuição são
abertas. E é por este motivo que não participo de correntes de pensamento
privadas. Procuro ver o mundo como ele é e não a partir de uma construção, pois
eu vivo neste mundo.
Dilma e seus
seguidores afirmam que Dilma foi eleita com 54 milhões de votos. Na verdade não
foi ela que foi eleita com este total de votos, mas a chapa dela e de Temer. É
uma narrativa mentirosa de que Temer não teve votos. Ele também foi eleito com
54 milhões de votos. E foi eleito para ser substituto de Dilma em qualquer
eventualidade de ela se afastar. Ele deu um golpe? Não houve golpe, mas um contragolpe.
E que foi o autor deste contragolpe? Os eleitores e grande parte dos que
votaram na chapa Dilma e Temer.
Eu vivo neste país
em que uma Presidente ignorante e autoritária (desculpem-me pela redundância!)
provocou uma das maiores – ou a maior – crises econômica e política. Neste país
em que vivo. Repito a redundância para reafirmar o que estou falando. Uma
presidente que mentiu nas eleições e que a mentira foi uma das ferramentas
usada pelo seu marqueteiro. Como eu vivo neste país e sou um cidadão comum,
tenho a oportunidade de conversar com gente de diferentes estratos sociais.
Toda esta gente, em grande parte votantes da chapa Dilma-Temer, arrependida por
tê-la eleita. Esta insatisfação vista no varejo vimos no atacado nas grandes
manifestações e que também vemos nas redes sociais.
O que se faz em qualquer
empresa, clube, grupo, etc., quando o seu dirigente é incapaz de bem
administrar? Demite-se. E a Constituição Federal tem os instrumentos necessários
para isto. E quem fez uso destes instrumentos? Um grupo de cidadãos apoiados por milhares de
outros. Gente como eu e tantos outros eu frequentam supermercados, vendas,
lojas, etc., veem os preços a cada dia maiores; gente que se vê na eminência de
perder os seus empregos dos mil e tantos que chegam todas as tardes em suas
casas com a triste noticia que estão desempregados. Gente que vai ao supermercado
e vê o feijão e o arroz em alta porque a dirigente doou o estoque regular para
um país ditatorial e amigos. Não para ajudar o povo deste país, mas os seus
dirigentes-amigos. Isto foi um golpe? Não, um contragolpe de quem estava sendo “golpeado”.
Em que país, em que
mundo, vive esta gente que alardeia o processo de impeachment como um golpe?
Estão ao nosso lado e que motivos diversos se tornaram crente a uma narrativa
que qualquer dúvida a ela passa a ser chamada de traição. Traição a uma narrativa.
Tem lido muitos
comentários, com a possibilidade de ser tornarem estudos mais aprofundados,
para entender como intelectuais com a obrigação de refletir sobre as relações
sociais, políticas, econômicas, mergulharem numa narrativa que passam a
considerar como verdadeira.
É claro que os
regimes autoritários, seja qual for a sua orientação politica, social,
religiosa, têm os seus pensadores, os construtores de “verdades” e os
vigilantes para cercear os que duvidam destas verdades.
Estamos num momento
em que o pó ainda está revolto, mas já tem saído muitos comentários à procura
de entender este momento e visualizar um futuro próximo.
Eu fiz este
comentário porque recebi uma postagem de um antropólogo italiano que admiro
muito, com muitos trabalhos memoráveis para se entender o Brasil, em especial a
um sobre a cidade de São Paulo, o Professor Massimo Canevacci. O Professor Canevacci devolve a sua comenda da
"Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul".
A comenda foi merecida, mas a devolução está sendo imerecida.
Discutir e duvidar de uma narrativa
dos partidários de ex-presidente Dilma não é traição, mas uma necessidade para
repensar o Brasil de hoje. Temer na presidência não é uma preferência, mas uma
decorrência constitucional. Portanto a narrativa de golpe é uma mentira, construída
com “verdade”. E duvidar de mentira não é traição. E colocar um intelectual nas
teias de um politicamente correto também mentiroso é condenar um ilustre intelectual
como o professor Massimo Canevacci.
Mauro Cherobim - Antropólogo
Professor Doutor e Livre-docente .
Professor adjunto aposentado - UNESP