segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Discussões ideológicas e mundo real

Tenho ouvido e assistido muitas discussões de caráter ideológico, distanciadas do mundo real. Têm-se discutidas expressões como ideologia de gênero, homonormalidade e outras como realidades, mas que se elas se tornarem realidades poderão causar muitos desastres. Lembro-me do Khmer vermelho cambojano. Algo semelhante poderá acontecer na Venezuela.
Estas discussões ideológicas, desprezando aspectos biológicos necessariamente levarão a um processo de desorganização.  
A minha formação profissional vem da Etnologia cujas pesquisas de campo foram diretas a pequenos grupos sociais.
Há uns 10 anos eu fui surpreendido ao ouvir expressões hoje chamadas homofóbicas numa visita a um grupo guarani. Pouco antes conversando com uma colega me contou uma experiência semelhante. Numa pesquisa  posterior notei uma queda populacional e um crescimento no número de nascimento. Também houve uma diminuição da mortalidade infantil em face do trabalho de assistência à saúde.
Malinowski, em um dos seus trabalhos enumera as necessidades básicas e uma delas é a procriação. É a procriação que garante a sobrevivência dos grupos humanos. Para procriar é necessário que haja uma mulher e um homem. Pelo que acontece em todos os grupos humanos, pelos que eu conheço e pelo que a literatura nos ensina, há um arranjo de espaços sociais que cada um dos membros – pessoas, grupos, etc. - da sociedade ocupa, a estrutura social. As relações entre estes diferentes espaços, mostra-nos com o grupo  social se organiza. A organização social. Homens e mulheres, crianças, adultos, idosos ocupam espaços delimitados e os espaços principais são a divisão por sexo. Nas sociedades mais simples há uma divisão sexual do trabalho. Nas sociedades mais complexas inicia-se uma divisão social do trabalho.
Nos grupos guarani que estudei, por exemplo, havia uma divisão sexual do trabalho na fabricação de seus instrumentos que se tornaram de interesse artesanal para a população nacional. Para a fabricação de arcos, por exemplo, os homens tiravam a madeira e preparavam para torna-los em arcos e as mulheres trançavam dos fios para fazer a corda do arco. Com o aumento da produção os homens começaram a trançar a corda para ajudar as mulheres. O mesmo aconteceu com a fabricação de cestos. Fui testemunha do início da divisão social do trabalho.
Em nossa sociedade, com a participação mais efetiva das mulheres, a divisão social do trabalho embaralhou a identidade de atividades exercidas por homens e por mulheres. Quando eu cursava a faculdade pegava sempre ônibus da mesma linha e com o tempo tornei-me conhecido dos motoristas. Nesta época (década de 60) a CMTC[1] contratou as primeiras mulheres motoristas. Uma conversa recorrente com os motoristas era de que às mulheres coube dirigir os ônibus “roda mole” (direção hidráulica) e aos homens os de “roda dura” (direção mecânica, mais pesada). A linha que eu usava só havia ônibus “roda dura”.  Nesta mesma época a CMTC começou a trocar a sua frota por ônibus mais modernos e certamente homens e mulheres começaram a concorrer a mesmas escalas de motoristas.
Logo após houve a incorporação da Guarda Civil à então Força Pública – atual Polícia Militar - e as mulheres de graduação mais baixa da Guarda foram incorporadas como terceiros sargento da FP.
Se de um lado socialmente homens e mulheres podem fazer praticamente tudo, não devemos esquecer as diferenças biológicas.
Mesmo homens e mulheres poderem fazer praticamente tudo, mas fazem mantendo as suas identidades de sexo. A identidade de gênero é resultante do sexo biológico.  Portanto o conceito de homonormalidade é enviesado, pois a normalidade é a heterossexualidade. O normal é o padrão. O que estiver fora da normalidade é anormal. Qualquer estudante de estatística aprende isto.
A distribuição probalística da normalidade é cerca de 70% da totalidade. Para uma projeção demográfica é esta faixa que deve ser considerada. Nas discussões recentes da reforma previdenciária poucos e falou destas projeções. Verificando as projeções para 2050 no Estado de São Paulo a previdência será insustentável. A variável biológica não poderá ser descartada, como vemos nas discussões atuais…
Estatisticamente a homossexualidade será tolerada até uma faixa de 15% num lado da curva de Gauss (curva do sino) e os machistas ferrenhos nos outros 15% do outro extremo.  Mas falar em homonormalidade...
Estava escrevendo estes apontamentos e estava lembrando de Thomas Sowell, no seu Os Intelectuais e a Sociedade, comenta dos intelectuais que desprezam o conhecimento mudando (o mundo empírico) provocaram muitos desastres sociais econômicos e outros. Um exemplo é a crise que ora experimentamos.







[1] - CMTC – Companhia Municipal de Transportes Coletivos da Prefeitura paulistana. 

sábado, 14 de outubro de 2017

Ser professor

Apesar de ser filho de professora e irmão de três professoras, nunca pensei em se professor. Eu era radiotelegrafista numa estação no interior onde fazia escala o avião do CAN (Correio Aéreo Nacional). Eu tinha 22 anos. Entre os passageiros de um voo do CAN  havia um que diferenciava-se dos demais passageiros, quase todos com características de caboclos do Brasil Central:  alto, loiro, cabelo curtinho e falava inglês. Perguntei a um dos sargentos da tripulação “quem é este cara aí?”. É um antropólogo, respondeu. E o que ele faz? quis saber. Ele vai numa tribo do Xingu, faz perguntas para os índios, anota, volta para o país dele e escreve um livro, respondeu o sargento.
Encasquetei: vou estudar antropologia. Lá do interior de Mato Grosso transferiram-me para Curitiba e fui fazer o 3º ano do colegial e procurei saber onde eu poderia estudar antropologia. Fiz vestibular, fui aprovado no curso de História Natural. Tinha aulas de botânica, petrografia, biologia e nada de me ensinarem conversar com índios, anotar e escrever livros. Fui descobrir que o que ensinavam era antropologia física no segundo ano. Mas poderia escarafunchar os sambaquis do litoral do Paraná. Fiquei em Curitiba nos anos de 1961 até 1966. Período difícil. Parei com o curso de História Natural até que soube de um  curso de Sociologia, Política e Administração Públicas ligado a agora Universidade Católica do Paraná. Como a situação política em Curitiba não estava muito favorável para mim resolvi retornar a São Paulo e terminei o meu curso da Sociologia e Politica de São Paulo e em segui fui fazer o meu pós da USP. Foi quando começavam a surgir as primeiras faculdades particulares. Tive um colega de curso, tornamo-nos amigos e ele me convidou para lecionar em Mogi da Cruzes. Foi uma beleza! Primeiro financeiramente. Segundo por começar a aprender a ser professor. E a fazer pesquisa entre os índios guarani do litoral. Aproxima-se a meio a século o dia que entrei pela primeira vez numa sala de aula, como professor e de antropologia.  Em março passado fez 47 anos.
Quantos alunos passaram por mim? Não tenho a mínima ideia.  Tive turmas com 150, 200 alunos. Parecia mais um conferencista do que um professor. Passei por situação difíceis, como por duas vezes sentei no braço de  carteiras e elas vieram. Levei tombo com plateia. Certa vez fui fazer uma palestra no fórum de uma cidade do interior e a plateia olhava de maneira esquisita para mim. Olhei para a minha roupa e estava tudo certo, não aparecia nada que não deveria aparecer. Perguntei o que estava acontecendo e me falaram  que o gradil que separava a plateia do fórum ao local onde ficava o juiz poderia cair. Eu estava encostado nela. O melhor momento que passei neste aprendizado de ser professor foi no Amazonas, com relação à distância social. Em outras palavras, não existe distância social do professor em relação aos diferentes estratos sociais.
No decorrer da nossa vida profissional passamos por dissabores, com a diversidade de alunos de péssima formação, mas presos por modelos políticos, religiosos, etc. Hoje, fora da atividade docente e com as redes sociais, é comum alunos comentarem a respeito de alguma orientação, alguma resposta, despercebida para nós, mas crucial para os alunos. E ficamos felizes quando encontramos de graduação que hoje são doutores, pós-doutores.
A responsabilidade do professor é medida em longo prazo. É uma profissão de vida com resultados conhecidos quando não haverá mais meios de corrigir erros.
Eu me tornei professor por acaso, mas me orgulho por esta profissão que exerci por quase meio século.
Um abraço aos meus colegas de profissão.

Mauro Cherobim (15/10/2017)

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Os dois lados da censura.

Tenho lido postagens a respeito de um programa da TV Globo com a participação de artista que criticavam a censura à arte.  O foco foi a censura a duas exposições, o Qeermuseu em Porto Alegre e a demonstração no MAM.
 A minha opinião sobre arte não tem qualquer relevância e por isto nem deve ser considerada, mas como cidadão eu me sinto confuso com tantas declarações contraditórias e desbaratadas. Costumamos associar censuras atos impeditivos, formais, oriundos do poder politico instituído. Existem censuras informais que este mesmo poder político exerce a partir de pressões políticas, econômicas e outras. Também se censura através de processos jurídicos. Há, ainda, outras formas, como a mais recente, que se chamou de “assassinatos de reputações”.
 Apesar de não ter assistido este programa da TV Globo, chamou-se a atenção que o líder deste movimento contra a censura às artes e o cantor e compositor Caetano Veloso e a sua (ex-) esposa  Paula Lavigne. O que me surpreende é perceber que este casal não é contra a censura, mas sim contra a censura que atrapalha os seus interesses e a favor da censura a favor dos seus interesses.
 Biografia não autorizada.  Biografia autorizada não é biografia. É marketing.
 A censura é boa quando atende aos nossos interesses e ruim quando  os contraria.