Este livro é parte de uma pesquisa que se propôs conhecer o conjunto de pessoas que chegou ao topo do Poder Executivo a partir de 2003, quando se inicia o primeiro governo Lula. Esse grupo é integrado, de um lado, pelos ocupantes dos cargos de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) níveis 5 e 6, e dos cargos de Natureza Especial (NES), entre os quais se incluem secretários-gerais de ministérios e outros servidores graduados, responsáveis pela gestão pública. A esse conjunto de servidores, que estão imediatamente abaixo dos ministros, damos o nome de dirigentes públicos. Além disso, examinamos o perfil dos sucessivos ministérios desde o início da Nova República em 1985. Em todos os casos, investigamos as origens sociais, vínculos partidários, econômicos, sindicais e associativos das pessoas identificadas.
Não por acaso, esta pesquisa ressentiu-se da fala dados oficiais, organizados ou não, e de análises sistematizadas sobre o tema. Evidenciou ainda a instabilidade nos procedimentos e normas para o preenchimento desses cargos no decorrer de toda a Nova República, bem como o precário monitoramento parlamentar e, portanto, da sociedade, o que indica fragilidades nos controles sobre a máquina pública.
Verificamos que é alta a presença de funcionários públicos entre os ocupantes dos cargos de DAS, mas concluímos também que ser funcionário público não limita a militância social e política. Ao contrário, nosso estudo revela que os dirigentes vindos das carreiras públicas têm fortes vínculos com movimentos sociais, partidos, terceiro setor, academia e, em especial, com sindicatos. Não se trata, portanto, de um conjunto de "técnicos desinteressados", mas sim de um grupo de cidadãos com níveis de participação e de inserção política e social muito acima dos que são praticados pela média da sociedade brasileira.
Chamou a atenção o alto nível de filiação a sindicatos e ao PT. Temos fortes razões para supor que essa participação tende a ser alta em outros governos, posto que a interface do PT e da CUT com o funcionalismo público é histórica, e que essa é uma categoria com níveis muito altos de sindicalização. Assim, independentemente da filiação partidária do presidente, há grande probabilidade de encontrar entre os dirigentes provenientes do setor público uma grande massa de sindicalizados e de petistas. Pode-se por isso supor que, mesmo em um governo não petista, a máquina pública irá refletir essa tendência.
Não se trata de contrapor sindicalização a competência profissional, nem petismo a responsabilidade pública, apenas de atestar que essa relação existe e que, segundo nossos dados, parece ter aumentado no governo Lula. Não conhecemos trabalhos que analisem no Brasil os efeitos de altas taxas de sindicalização e de partidarização entre os funcionários públicos sobre a qualidade do funcionamento da máquina pública. O PT tornou-se governo em 2003, e nesse momento houve, de forma inédita, uma confluência entre governo, movimento sindical, movimento social e funcionários públicos ideologicamente mobilizados e sociologicamente corporativos. Essa conclusão, entretanto, não invalida a constatação de que grande parte desses funcionários apresenta alta qualificação profissional e acadêmica.
Verificamos também neste trabalho que pouco sabemos sobre a participação das profissões dentro da divisão social do trabalho na área governamental. Tivemos a surpresa de ver a alta incidência de cientistas sociais nos altos escalões, e ao mesmo tempo de observar como os médicos, entre todas as profissões, são os dirigentes que mais laços apresentam com a sociedade civil e com diversas formas de associativismo político e social. São, sem sombra de dúvida, o grupo profissional mais organizado de nossa amostra. Isso tem impacto sobre as políticas de saúde?
Notamos também que de maneira geral nossa amostra revela um grupo de pessoas que ascendeu socialmente em relação a seus pais, evidenciando as possibilidades de mobilidade na sociedade brasileira. Da mesma forma, constatamos que a composição sexista e étnica desse grupo, bem como sua extração regional, expressa as gritantes desigualdades do país. Esse é um microcosmo que mostra a concentração do poder em mãos masculinas, brancas e oriundas em grande parte da região Sudeste.
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