terça-feira, 19 de julho de 2011

MERCADO DE TRABALHO, TRABALHO ASSALARIADO E TRABALHO INTELECTUAL

MERCADO DE TRABALHO, TRABALHO ASSALARIADO E TRABALHO INTELECTUAL

Marilene Nunes[1]

A economia política marxista ortodoxa têm sérias dificuldades para definir as três categorias que dão título a este texto, gerando muita confusão. Do imbróglio são cometidos vários equívocos quando se pretende remunerar o produto do trabalho, seja através do assalariamento ou por meio de pró-labore.

Acredito que o problema reside na incompreensão dos teóricos acerca da definição do conceito de valor enquanto tese válida para compreender e explicar a dinâmica da sociedade capitalista contemporânea.

Utilizo conceitualmente o termo valor não no sentido axiológico que a filosofia lhe confere, mas na acepção econômica que Adam Smith discorreu na sua obra “A Riqueza das Nações”. Para Smith valor é tempo, e é o tempo quem move toda a economia na sociedade capitalista. O conceito de valor como tempo e como epicentro de toda a produção econômica também é parte da grande obra de Karl Marx “O Capital”, porém esta tese curiosamente subsiste com uma outra, que lhe é antagônica. A tese antinômica é a do “Fetiche da Mercadoria”.

A crítica dos modelos epistemológicos contraditórios em “O Capital” foi muito bem formulada pelo grande pensador marxista João Bernardo, no seu monumental texto de economia política “Marx Crítico de Marx”. Nesta obra, Bernardo mostra como as teses do “Valor Tempo” e a do “Fetiche da Mercadoria” são inconciliáveis, porque se situam em campos epistemológicos opostos, cujos axiomas se anulam reciprocamente. Na tese do “Fetiche da Mercadoria”, o sujeito do processo de produção, o trabalhador é reduzido a elemento acessório e a mercadoria emerge deste paradigma como um ser metafísico que inaugura um espaço completamente alheio à produção, o mercado. O capitalismo seria então um grande espaço de trocas de mercadorias regido por leis transcendentais para um suposto mercado anárquico existente fora da produção. As mercadorias seriam os produtos tangíveis, as coisas de natureza visíveis e palpáveis, que lançadas ao mercado estabelecem relações de trocas entre si independente dos produtores. A relação que antes sociais entre os produtores, no mercado é aniquilada pelo fetiche da mercadoria que impõe a sua vontade no mercado sobre os consumidores, dissimulando o caráter social da troca. A palavra “fetiche” significa feitiço, ou seja, poder sobrenatural sobre algo.

O outro campo epistemológico pensado por Marx, a tese do “Valor Tempo”, expõe a prática de trocas entre os produtores como uma relação social, aniquilando assim a metafísica da troca entre coisas, num suposto mercado platonicamente externo a produção. Valor é tempo de trabalho incorporado, seja nos produtos no processo de trabalho, seja incorporado no próprio trabalhador no processo de sua formação. Assim economicamente tudo é produção na sociedade capitalista contemporânea. Nada lhe é externo, a produção abrange a totalidade da realidade social humana e o mercado é parte substantiva da produção.

Dessa forma, pode-se dizer que a tese “Valor Tempo” é a antinomia da teoria do “Fetiche da Mercadoria”.

A teoria do “Fetiche da Mercadoria” encontrou campo fértil na literatura esquerdista e a proliferação nos seus discursos, como um eterno anátema não se deu tanto pela incompreensão das teses contraditórias de Marx, por seus autores. A ênfase dada à tese do “Fetiche da Mercadoria” estava associada a uma estratégia política esquerdista de que o conceito “Valor Tempo” não lhes servia para explicar a pretensa importância do acesso da militância esquerdista à burocracia do estado, com o objetivo de domar o suposto mercado anárquico e instaurar o “socialismo”. Ora, se o capitalismo é um modo de produção totalizante, evidentemente que nem o estado lhe escapa ao domínio. Aliás, esta instituição ocupa lugar extremamente importante para o desenvolvimento do capitalismo, que sem a sua atuação organizadora e coercitiva, a economia capitalista estagnaria à medida que é o estado o grande gerenciador das condições gerais de produção.

O estado visto como o “homem coletivo artificial” que domina as paixões humanas, e que lhes arranca da sua condição natural - como pensou Thomas Hobbes - emerge da ideologia esquerdista como o grande “Leviatã”, o monstro de muitos tentáculos, de forma bem mais assustadora do que a descreveu o profeta Jó, no antigo testamento hebréio. O “Leviatã” esquerdista é o absolutismo levado às últimas conseqüências do absurdo de que são exemplos os capitalismos de estado nazista e soviético. O estado e o mercado cindidos da produção são como dois “Leviatãs” que pairam autônomos, absolutos e contraditórios no sistema capitalista. O primeiro autoritário e coator e o segundo permissivo e anárquico. O campo prático de existência do trabalhador, como espaço de produção, é silenciado pela concepção do estado e do mercado autônomos.

O mercado, na tese do “Valor Tempo” integra a produção. Sendo assim, o valor da força de trabalho, no mercado de trabalho, será determinado pelo valor dos produtos e serviços necessários à reprodução do trabalhador. Dentre os mais importantes, inclui-se alimentos, higiene, roupas, calçados e todos serviços relativos à saúde e a educação e ao lazer.

Quanto mais desenvolvida economicamente uma formação social, menor será o custo da reprodução da força de trabalho, porque as mercadorias e serviços para a sua subsistência serão produzidos num tempo médio muito inferior ao tempo que o trabalhador despenderá quando empregado. Assim o cálculo médio do salário tem como base o valor médio de produção das mercadorias e serviços considerados básicos para a sobrevivência de um trabalhador assalariado. Inversamente o aumento de custo desses serviços e mercadorias incidirá na restrição ao acesso de consumo, comprometendo a qualificação da força de trabalho e conseqüentemente o avanço tecnológico nas empresas.

Os ciclos de desenvolvimento tecnológicos estão diretamente correlacionados ao aumento da produtividade e a elevação da qualificação e da capacitação do trabalhador assalariado. A implementação de tecnologia decorrente da elevação da qualificação da força de trabalho visa aproveitar a componente intelectual do trabalho oriunda do acréscimo de capital intelectual. É preciso esclarecer que trabalho intelectual e capital intelectual se referem a coisas distintas. O trabalho intelectual é aquele que exige habilidades e competências cognitivas mais complexas do que o simples esforço muscular. Contudo, toda a atividade laborativa possui uma componente em maior ou menor escala de esforço intelectual ou muscular cuja intensidade depende do estágio tecnológico em se encontra a organização. Nos primórdios do capitalismo, todo o pensamento intelectual complexo lhe era exterior somente com o advento da implementação constante de tecnologia no processo produtivo, elevou a necessidade de apropriação do saber científico impondo-lhe uma lógica instrumental. Todo o conhecimento oriundos desse processo: maquinário, tecnologia informacional, instalações e infraestrutura de ponta, banco de dados de múltiplas informações, recursos humanos com habilidades de realização de trabalho complexo se constituem em capital intelectual. O capital intelectual é o conjunto complexo de valores com a capacidade ilimitada de reprodução de novos valores. Assim, capital intelectual é o principal ativo não financeiro que tem se tornado o principal recurso para o contínuo desenvolvimento de diferentes tipos de organizações. Quanto mais elevada for a capacidade de agregar valor nos produtos, por incorporar extenso capital intelectual, mais difícil se torna definir o preço da força de trabalho detentora deste capital. É o caso dos consultores. O valor de seu pró-labore não se define pelo valor médio de mercado como os dos trabalhadores assalariados que inserem num ciclo de produção.


[1] A autora é graduada em Pedagogia pela UFRGS – RS. Mestre em Economia Política pela mesma universidade. Doutora em Gestão e Políticas Públicas pela USP-SP. Especialista em Gestão do Conhecimento pela FGV-SP. Especialista do Conselho Estadual de Educação – SP. Professor Assistente Doutor na UNESP- SP.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

A PLC 122/2006 e a "desGAYficação"

Medo da perda da “desGAYficação”? As igrejas evangélicas que “desGAYficam” tem alcançado os seus objetivos em “curar” homossexuais. Eles são curados “eternamente”, considerando a alta taxa de suicídios de “gays curados”. Tudo em nome de Deus.

Em primeiro lugar, as relações homossexuais são problemas íntimos das pessoas. Como são, também, as relações heterossexuais. Quando uns e outros trazem estes relacionamentos para o público cometem atentados ao pudor. Nada de mais.

Por trás dos relacionamentos sexuais existem as questões ético-religiosas, calcadas no pavor que se tem ao corpo humano. A procriação “é natural”. Ninguém discute. As formas de as pessoas se relacionarem são comportamentais. É verdade que em muitos grupos indígenas a procriação é uma necessidade de sobrevivência e existem regras para que sempre haja um equilíbrio entre homens e mulheres. Há o relacionamento para procriar, mas pode haver outros tipos de relacionamentos. Para isto existem regras. Procria-se com quem pode e não com quem quer. As proibições são várias regidas pelos padrões de incestuosidade.

Têm-se notícias de relacionamentos chamados de homossexuais. A título de brincadeiras, jogos, mas que vão desaparecendo com a chegada dos religiosos que transmitem aos índios os nossos padrões de moralidade.

Se observarmos nas sociedades cristãs, permite-se às mulheres o sexo anal e não aos homens. Por que? O sexo tem uma analogia com a política. Quem penetra é ativo e quem é penetrado é passivo. Tanto é que aquele que penetra num homossexual não se considera como tal. Ele é ativo. Os romanos herdaram dos gregos e transmitiram a todos os povos que conquistaram que o homem tem que ser política e sexualmente ativos. As mulheres devem ser política e sexualmente passivas e assim lhes é permitido o sexo anal.

É por aí que consigo entender esta luta contra a chamada “lei da homofobia”. De um lado os grupos gays procurando uma proteção legal, não só contra os preconceitos que sofrem e de outro lado os grupos religiosos contra ela, pois as suas atitudes contra a homossexualidade poderão ser consideradas como passíveis de punições.

Esta discussão toda a respeito deste projeto de lei 122 levou-me a ler o seu texto para ver o que ele tinha de tão terrível. Nada de mais.

O PLC 122/2006 pretende mudar o Art. 1º da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 que dizia o seguinte:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor.

A Lei nº 9.459, de 15/05/97 mudou a sua redação para:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

O PLC 122/2006 pretende mudar a redação deste artigo para:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.

Será a terceira redação deste artigo. A primeira, o original, que foi acrescido de “etnia, religião ou procedência nacional” e agora que se pretende acrescentar “origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero”.

Claro que mesmo assim este artigo deixa de fora muita coisa. A pessoa idosa não pode ser discriminada, mas as pessoas jovens podem? A heterossexualidade é uma orientação sexual e então porque os heterossexuais estão contra? Eu sou a favor, pois não poderei ser discriminado na minha heterossexualidade.

Uma Lei é coisa séria; ela deverá ter efeitos para toda a sociedade e quando ela começa a ser minuciosa passa a ser injusta. E discriminatória. Como pode ser discriminatória uma lei que pretende coibir a discriminação. Se isto existe é porque temos grande dificuldade em aceitar o outro, o diferente.

Por fim a redação de uma Lei não pode ficar as mãos de militantes, sejam eles quais forem. A militância é discriminatória.