sábado, 25 de dezembro de 2010

“Nosso Guia”. De quem?

Ditadores da história recente se auto intitularam de “líder”. Um foi o “Duce”, outro foi “Der Führer”. Um, da história mais recente, foi intitulado como “Nosso Guia”.

Os pronomes possessivos devem concordar em gênero e número com a coisa possuída. A coisa possuída é o líder. Eu, como membro da sociedade brasileira deveria estar incluído neste “nosso”, mas não tenho a coisa, isto é, o guia. O pretenso possuidor (Eu e todos na minha situação) não estando em concordância com a coisa, esta expressão lembra o purgante que nos era enfiado goela abaixo, pois geram ambiguidade: nosso quem? Se não é meu, de quem é?

“Duce” (líder) e “Der Führer” (o líder) é menos purgante que “Nosso Líder”, pois têm um caráter de impessoalidade. Como este novo “líder companheiro” deverá ser chamado pelos que não estão incluídos neste pronome possessivo?

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A elite dirigente do governo Lula (convite à leitura)

Quando desenvolvia pesquisas no Amazonas, ao ler o Plano de Desenvolvimento da Amazônia surpreendia-me algo que não sabia explicar no seu discurso. Era algo que “não batia” com o Governo Médici, considerado um dos mais duros do regime militar. Lendo e relendo, descobri. Era um discurso marxista. Ou seja, os autores do planejamento da Amazõnia tinham uma formação marxista. Hoje é uma observação e uma preocupação sem sentido, mas não naquele momento.

Na continuidade do trabalho, junto com o meu papel de diretor do Campus Avançado de Humaitá, tinha contato com muitos técnicos do governo, desde alunos das escolas de aperfeiçoamento de oficiais, da escola de comando e Estado Maior do Exército, da Escola Superior de Guerra, sentia haver um livre pensar.

Quando o General Frota teve a sua tentativa de golpe frustada no /governo Geisel, houve uma declaração sua de que o “MEC estava cheio de comunistas”. Comentou-se na época que Nei Braga, então Ministro da Educação, rebateu afirmando que poderiam ser comunistas, mas eram bons funcionários.

Nós, aqui da planície política brasileira, vemos os governos nas pessoas do seu Presidente ou dos seus governadores. Não sabemos nada além dos seus Ministros (ou Secretários dos Estados federados). Quem ocupa os cargos de terceiro escalão em diante? Eventualmente tomamos conhecimento de um ou de outro, mas logo desaparecem nas brumas da administração federal (e/ou estaduais).

Maria Celina D’Araujo desenvolveu uma pesquisa para resolver este problema. Ou melhor, identificar esta elite dirigente, no caso do governo Lula. O seu trabalho abrange o governo Lula até 2007. Promete fazer o mesmo com o governo Fernando Henrique Cardoso.

Além da promessa da Autora em repetir os seu trabalho no governo FHC, provavelmente motive trabalhos do governo militar, que parece ter sido onde se deu início à tecnocracia que a Autora a chama de elite dirigente.

Na eventualidade de José Serra sair vencedor destas eleições terá que governa com esta mesma elite, que a Autora identifica como “um grupo altamente escolarizado, com experiên­cia profissional, proveniente em sua maioria do serviço público, mas também com fortes vínculos com movimentos sociais, par­tidos (PT), sindicatos e centrais sindicais (CUT)”.

Passo a palavra à autora:

Esta é uma pesquisa inédita sobre o perfil da elite dirigente do país no âmbito do Poder Executivo nacional. Trata-se, como se poderá ver, de um grupo altamente escolarizado, com experiên­cia profissional, proveniente em sua maioria do serviço público, mas também com fortes vínculos com movimentos sociais, par­tidos (PT), sindicatos e centrais sindicais (CUT). Não se contrapõe sindicalização a competência profissional, nem petismo a respon­sabilidade pública, apenas se atesta que essa relação está dada e se manifesta de forma expressiva no governo Lula. Não há traba­lhos no Brasil que analisem os efeitos das altas taxas de sindicalização e de partidarização entre os funcionários públicos sobre a qualidade do funcionamento da máquina pública. Da mesma forma, não há estudos sobre as profissões e a divisão social do tra­balho na esfera de governo. Esta pesquisa avança nessa direção.

Ao contrário do que ocorre em países mais desenvolvidos, o Brasil é pobre em pesquisas sobre a composição, o perfil e as funções de sua elite dirigente no âmbito administrativo fede­ral. Pouco se estuda sobre ela, pouco se sabe sobre suas carac­terísticas educacionais, profissionais e, principalmente, sobre seus aspectos organizacionais e vínculos associativos e políticos.

Este livro é parte de uma pesquisa que se propôs conhecer o conjunto de pessoas que chegou ao topo do Poder Executivo a partir de 2003, quando se inicia o primeiro governo Lula. Esse grupo é integrado, de um lado, pelos ocupantes dos cargos de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) níveis 5 e 6, e dos cargos de Natureza Especial (NES), entre os quais se incluem secretários-gerais de ministérios e outros servidores graduados, responsáveis pela gestão pública. A esse conjunto de servidores, que estão imediatamente abaixo dos ministros, damos o nome de dirigentes públicos. Além disso, examinamos o perfil dos sucessivos ministérios desde o início da Nova República em 1985. Em todos os casos, investigamos as origens sociais, víncu­los partidários, econômicos, sindicais e associativos das pessoas identificadas.

Não por acaso, esta pesquisa ressentiu-se da fala dados oficiais, organizados ou não, e de análises sistematizadas sobre o tema. Evidenciou ainda a instabilidade nos procedimen­tos e normas para o preenchimento desses cargos no decorrer de toda a Nova República, bem como o precário monitoramen­to parlamentar e, portanto, da sociedade, o que indica fragilidades nos controles sobre a máquina pública.

Verificamos que é alta a presença de funcionários públicos entre os ocupantes dos cargos de DAS, mas concluímos também que ser funcionário público não limita a militância social e política. Ao contrário, nosso estudo revela que os dirigentes vin­dos das carreiras públicas têm fortes vínculos com movimentos sociais, partidos, terceiro setor, academia e, em especial, com sindicatos. Não se trata, portanto, de um conjunto de "técnicos desinteressados", mas sim de um grupo de cidadãos com níveis de participação e de inserção política e social muito acima dos que são praticados pela média da sociedade brasileira.

Chamou a atenção o alto nível de filiação a sindicatos e ao PT. Temos fortes razões para supor que essa participação tende a ser alta em outros governos, posto que a interface do PT e da CUT com o funcionalismo público é histórica, e que essa é uma categoria com níveis muito altos de sindicalização. Assim, inde­pendentemente da filiação partidária do presidente, há grande probabilidade de encontrar entre os dirigentes provenientes do setor público uma grande massa de sindicalizados e de petistas. Pode-se por isso supor que, mesmo em um governo não petista, a máquina pública irá refletir essa tendência.

Não se trata de contrapor sindicalização a competência profissional, nem petismo a responsabilidade pública, apenas de atestar que essa relação existe e que, segundo nossos dados, parece ter aumentado no governo Lula. Não conhecemos traba­lhos que analisem no Brasil os efeitos de altas taxas de sindica­lização e de partidarização entre os funcionários públicos sobre a qualidade do funcionamento da máquina pública. O PT tornou-se governo em 2003, e nesse momento houve, de forma inédita, uma confluência entre governo, movimento sindical, movimento social e funcionários públicos ideologicamente mobilizados e sociologicamente corporativos. Essa conclusão, entretanto, não invalida a constatação de que grande parte desses funcionários apresenta alta qualificação profissional e acadêmica.

Verificamos também neste trabalho que pouco sabemos sobre a participação das profissões dentro da divisão social do trabalho na área governamental. Tivemos a surpresa de ver a alta incidência de cientistas sociais nos altos escalões, e ao mesmo tempo de observar como os médicos, entre todas as profissões, são os dirigentes que mais laços apresentam com a sociedade civil e com diversas formas de associativismo político e social. São, sem sombra de dúvida, o grupo profissional mais organizado de nossa amostra. Isso tem impacto sobre as políti­cas de saúde?

Notamos também que de maneira geral nossa amostra revela um grupo de pessoas que ascendeu socialmente em relação a seus pais, evidenciando as possibilidades de mobili­dade na sociedade brasileira. Da mesma forma, constatamos que a composição sexista e étnica desse grupo, bem como sua extração regional, expressa as gritantes desigualdades do país. Esse é um microcosmo que mostra a concentração do poder em mãos masculinas, brancas e oriundas em grande parte da região Sudeste.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Eleitores ocultos da jihad brasileira

Eleitores ocultos da jihad brasileira

Eles votam corporativamente e sem liberdade, por motivos religiosos e não políticos

02 de outubro de 2010 | 17h 46

José de Souza Martins - O Estado de S. Paulo

Um pastor manda de Nova Iorque aos crentes de sua numerosa e obediente igreja evangélica recomendação para que votem na candidata oficial. Um bispo católico publica declaração recomendando aos fiéis que não votem nela. Um pastor de importante igreja protestante lança apelo para que os adeptos de sua igreja votem na candidata não oficial. Um frade católico há muito declara que espera que a candidata oficial ganhe a eleição e a oposição nunca mais retorne ao poder. Se é para a oposição nunca mais voltar ao poder não se trata de eleição, e sim de nomeação. Estamos em face do eleitor oculto, o das religiões, que vota corporativamente e sem liberdade, por motivos religiosos e não por motivos políticos.

A questão política como questão religiosa, no Brasil, se propõe desde a Proclamação da República e da separação entre o Estado e a Igreja. Bispos e padres deixaram de ter status similar ao de funcionário público e a Igreja deixou de ter privilégios de repartição pública. O caráter missionário da atuação católica foi largamente beneficiado pela cessação da tutela, dando-lhe a oportunidade de, pela primeira vez em nosso País, fazê-la Igreja livre e profética.

A Igreja Católica, porém, aproveitou mal a possibilidade involuntariamente aberta pela República do ideário positivista dos militares que a proclamaram. Do mesmo modo, a democracia da pluralidade religiosa não consolidou essa premissa básica do Estado moderno entre nós, como se esperava e era necessário. Os protestantes e as outras denominações religiosas foram tímidos na consolidação da democracia nascente e na defesa do Estado não confessional.

Politicamente marginalizada durante toda a República Velha, que era de inspiração positivista e anticlerical, preparou-se a Igreja nesse período para a Restauração Católica, fundada num ideário de direita e em valores da tradição conservadora. Significativamente, e por isso mesmo, lograria o status de "religião da maioria do povo brasileiro" no governo Vargas. Um intercâmbio claramente informado pelo populismo que nascia. O protestantismo se difundiu devagar, à margem da política e do poder, pesando sobre ele o informal veto católico. Poucos notaram, até que um presbiteriano, Café Filho, sendo vice de Getúlio Vargas, assumira a Presidência da República com o suicídio do presidente em 1954. Era a via silenciosa da ascensão política dos protestantes.

O golpe militar de 1964 teve a decisiva participação católica com as Marchas da Família com Deus pela Liberdade. No entanto, um fato insólito se passou, revelador das grandes mudanças sociais que haviam ocorrido no País: diversos protestantes, especialmente presbiterianos, ascenderam em diferentes momentos do regime aos governos dos Estados, no Rio de Janeiro, em Pernambuco, no Pará, na Guanabara e mesmo em São Paulo, indiretamente, quando Laudo Natel, ligado ao Bradesco, de Amador Aguiar, presbiteriano, assumiu o governo com a cassação de Adhemar de Barros e nomeou um secretariado com notória presença protestante. A escolha do luterano Ernesto Geisel para a Presidência da República confirmou essa tendência do regime militar. A mudança de orientação da Igreja Católica em relação à ditadura, cuja instauração apoiara, e a hostilidade entre o Estado e a Igreja, nesse período, ganham clareza nesse cenário de fundo religioso.

É nesse quadro adverso e na consequente repressão que alcançou setores engajados da Igreja, até mesmo bispos, que sua atuação política evoluiu na direção do estímulo aos movimentos populares, a ação política orientada contra as incongruências do Estado, sobretudo o descompasso entre o legalmente possível e o politicamente realizado. Nesse legalismo antagônico ao Estado autoritário os setores mais ativos da Igreja não tiveram outra alternativa para afirmação dos seus valores conservadores, dado que o espaço político de direita, de sua atuação mais coerente, fora bloqueado pela tendência anticlerical dos militares e capturado pelos evangélicos. Sobrou-lhes constituírem sua militância no espaço residual de oposição à ditadura. O rapto ideológico do vocabulário de esquerda deu um revestimento moderno ao programa conservador e nem por isso menos transformador de que a Igreja no Brasil se tornou protagonista.

Nem os católicos nem os evangélicos conseguiram formular uma concepção democrática de política, no sentido de resguardar as respectivas religiões contra o monolitismo ideológico a que tende a política partidária. Não conseguiram propor suas religiões, na política, como religiões universais e pluralistas, irredutíveis ao partidário. O que possa lhes parecer um êxito político-partidário, nestas eleições e em outras precedentes, é na verdade um fracasso religioso, sobretudo no fato de que tendo se proposto como instrumentos do aparelhamento religioso-ideológico do Estado, tornam-se inversamente aparelhos da política e do próprio Estado. No altar das ambições de poder de sua guerra santa, sacrificam a missão profética das igrejas e minimizam a grande função histórica e libertadora que poderiam e deveriam ter na miséria moral e política da sociedade contemporânea.

JOSÉ DE SOUZA MARTINS, PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DA USP. É AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE 'A APARIÇÃO DO DEMÔNIO NA FÁBRICA' (EDITORA 34)

Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,eleitores-ocultos-da-jihad-brasileira,618924,0.htm. Acessado em 07/10/2010.

sábado, 25 de setembro de 2010

Manifesto em Defesa da Democracia

Numa democracia, nenhum dos Poderes é soberano. Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo.

Acima dos políticos estão as instituições, pilares do regime democrático. Hoje, no Brasil, inconformados com a democracia representativa se organizam no governo para solapar o regime democrático.

É intolerável assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão a direitos individuais.

É inaceitável que militantes partidários tenham convertido órgãos da administração direta, empresas estatais e fundos de pensão em centros de produção de dossiês contra adversários políticos.

É lamentável que o Presidente esconda no governo que vemos o governo que não vemos, no qual as relações de compadrio e da fisiologia, quando não escandalosamente familiares, arbitram os altos interesses do país, negando-se a qualquer controle.

É inconcebível que uma das mais importantes democracias do mundo seja assombrada por uma forma de autoritarismo hipócrita, que, na certeza da impunidade, já não se preocupa mais em valorizar a honestidade.

É constrangedor que o Presidente não entenda que o seu cargo deve ser exercido em sua plenitude nas vinte e quatro horas do dia. Não há “depois do expediente” para um Chefe de Estado. É constrangedor também que ele não tenha a compostura de separar o homem de Estado do homem de partido, pondo-se a aviltar os seus adversários políticos com linguagem inaceitável, incompatível com o decoro do cargo, numa manifestação escancarada de abuso de poder político e de uso da máquina oficial em favor de uma candidatura. Ele não vê no “outro” um adversário que deve ser vencido segundo regras, mas um inimigo que tem de ser eliminado.

É aviltante que o governo estimule e financie a ação de grupos que pedem abertamente restrições à liberdade de imprensa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas e de empresas de comunicação às determinações de um partido político e de seus interesses.

É repugnante que essa mesma máquina oficial de publicidade tenha sido mobilizada para reescrever a História, procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo.

É um insulto à República que o Poder Legislativo seja tratado como mera extensão do Executivo, explicitando o intento de encabrestar o Senado. É deplorável que o mesmo Presidente lamente publicamente o fato de ter de se submeter às decisões do Poder Judiciário.

Cumpre-nos, pois, combater essa visão regressiva do processo político, que supõe que o poder conquistado nas urnas ou a popularidade de um líder lhe conferem licença para ignorar a Constituição e as leis. Propomos uma firme mobilização em favor de sua preservação, repudiando a ação daqueles que hoje usam de subterfúgios para solapá-las. É preciso brecar essa marcha para o autoritarismo.

Brasileiros erguem sua voz em defesa da Constituição, das instituições e da legalidade.

Não precisamos de soberanos com pretensões paternas, mas de democratas convictos

(http://www.defesadademocracia.com.br/manifesto-em-defesa-da-democracia/)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O Guia está tiririca (muito irritado, furioso)

FERNANDO RODRIGUES

Intolerância

BRASíLIA - Sempre preocupado em explicar sua aproximação com autocratas e ditadores pelo mundo afora como sendo uma tentativa de promover a paz e o diálogo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve um momento Lula anteontem.
Em Santa Catarina, durante um comício eleitoral, o petista lamentou ter dado apoio em 2002 a Luiz Henrique (PMDB), que se elegeu governador local: "Eu pensava que era para mudar. Mas ele trouxe de volta o DEM, que nós precisamos extirpar da política brasileira".
Lula repetiu quase à perfeição a manifestação de intolerância política proferida em agosto de 2005 pelo então presidente nacional do PFL (hoje DEM), Jorge Bornhausen. Ao mencionar o caso do mensalão, o demista-pefelista disse o seguinte: "Não estou triste nem desencantado [com o escândalo], pelo contrário. Estou encantado porque vamos nos ver livre dessa raça durante pelo menos 30 anos".
Os dois episódios -Bornhausen em 2005 e Lula nesta semana- são exemplares da fase mesozoica da democracia brasileira quando se trata de valores republicanos. Os casos indicam também a incapacidade atávica dos políticos a respeito de conviver com o contraditório.
Como se sabe, Bornhausen não conseguiu se ver livre da raça dos petistas. Em 2006, os eleitores foram generosos. Reelegeram Lula, apesar do mensalão.
Mas em 2011 o país deverá ter o Congresso mais chapa-branca desde a volta do sistema de escolha direta de presidente. No Planalto, as pesquisas mostram que Dilma Rousseff continuará a obra de Lula.
A prevalecer a lógica de "extirpar" siglas de oposição, a intolerância será a regra na política nacional.
Hoje, há quatro anos, surgiram os aloprados. Lula foi ao segundo turno. Desta vez, nada se aproxima da octanagem do escândalo de 2006 e como força para influir decisivamente no dia 3 de outubro.

fernando.rodrigues@grupofolha.com.br

(http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1509201004.htm)

A intolerância é a parte visível do iceberg político. A causa – ou uma das causas -, como o articulista comenta, é a incapacidade de alguns políticos a conviver com o outro, o diferente. Os dois personagens citados acima são exemplos de pessoas com esta incapacidade. E é uma incapacidade do PT.

Os petistas se dizem de esquerda. Eu tenho sérias dúvidas a respeito disto; tem um perfil que o identifica aos chamados partidos de extrema direita. Que têm o mesmo perfil dos partidos chamados de extrema esquerda. O que os diferencia é a auto-identificação.

Lula é fruto da ditadura. Não fosse a ditadura militar Lula não existiria. Tanto é que o populismo de LILS lembra muito o populismo de Garrastazu Médici. LILS quando fala que provocou a ascensão econômica de uma boa porção de gente que estava abaixo da loinha de pobreza, lembra uma fala de Médici: “[i]O Brasil vai bem, mas o povo vai mal[/i]”. Quando fala das suas proezas internacionais e de ter deixado o Brasil “fora da crise”, lembra-se outra fala de Médici: “[i]Sinto-me feliz todas as noites quando ligo a televisão para assistir ao jornal. Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranqüilizante após um dia de trabalho[/i].”

Outro aspecto que os aproximam é o gosto pelo futebol e as analogias da política com situações futebolísticas. Médici ainda encenava alguma coisa com uma bola. LILS não tem fôlego. Outra identificação entre eles é forma caudilha de gostar de elogios e querer ouvir somente o que lhe interessa ouvir. Neste aspecto LILS ganha do seu antecessor pelo fato de estar rodeado de uma maior número de “puxa-sacos”. Não tenho notícias de Médici tenha sido chamado de Guia pelos seus bajuladores.

No momento LILS está zangado. Quando o Guia se zanga, os guiados fazem o mesmo. Zangam-se quando deveriam estar envergonhados. A braveza esconde a vergonha. Se ela existir, é claro. A cada denúncia de corrupção, de invasão à privacidade da Receita Federal, de lobbies e desvios de verbas por familiares de funcionários dos primeiros escalões, poderá colocar por terra um trabalho de quase oito anos para a continuidade no poder.

Quando o Guia se zanga, os trovões abaixam a crista. E a culpa sempre será do “outro”. É quem pratica o feitiço. E pelos próximos 18 dias o Guia distribuirá faíscas, raios, trovões e todos o seu arsenal contra os feiticeiros autores das mandingas denunciadoras.

domingo, 12 de setembro de 2010

AMOR NA INTERNET - QUANDO O VIRTUAL CAI NA REAL

Disponível em http://www.inpasex.com.br/publicacoes_livros.asp . Acesso em 12/09/2010.
AMOR NA INTERNET - QUANDO O VIRTUAL CAI NA REAL
A Internet uniu pessoas do mundo inteiro, facilitou a vida de pesquisadores e cativou uma nova geração de filhos da tecnologia. Para desvendar o complexo mundo dos encontros amorosos que vem criando-se há alguns anos na Internet, descobrir como funciona o namoro na rede e o que pensam as pessoas que freqüentam esses ambientes virtuais, a jornalista Alice Sampaio se fez de cobaia: cadastrou-se em vários sites de encontros e freqüentou salas de bate-papo por dezesseis meses.

O resultado dessa pesquisa está
em Amor na Internet – Quando o virtual cai na real, primeiro livro da jornalista. Uma estréia com muita propriedade, já que, antes de aventurar-se na ficção, Alice Sampaio preferiu começar com o que mais entende: jornalismo. O livro é uma grande reportagem, que lhe custou dois anos de trabalho e procura desvendar todas as facetas de um mundo onde a paquera se dá de forma invertida - primeiro a conversa e só depois o encontro visual -, e que já atrai milhões de brasileiros. Um mundo complexo, pouco pesquisado, mal compreendido e cujo uso cresce em progressão geométrica. "De tanto ler reportagens louvando a Internet como o grande lugar para encontrar o amor", explica Alice Sampaio, "cadastrei-me em alguns sites de encontros e passei oito meses em busca de um namorado na rede."

O material colhido para Amor na Internet – Quando o virtual cai na real nasceu dos e-mails trocados com 58 pessoas, nove das quais Alice conheceu pessoalmente. "Não sei se por curiosidade ou hábito investigativo, não me desfiz de nenhuma das conversas", confessa a autora. Em meio à profusa troca de mensagens, Alice ficou abismada com a dissimulação, as mentes confusas e o desencontro profundo entre as expectativas masculinas e femininas, mas também fez amigos. Com cada homem com quem teclava, aproveitava para sondar seus pensamentos e desejos, entrevistando-os sem que percebessem.

Além de usar a Internet, passou catorze meses entrevistando mais de uma centena de pessoas, para ter certeza de que estava mesmo tirando a média do que se passava no universo dos e-mails. "Alguns dos entrevistados me cederam seus arquivos e pude usar os próprios e-mails deles", conta. Selecionou dezessete histórias, ocorridas com pessoas entre 18 e 56 anos, e descreveu cada uma sem poupar os detalhes mais picantes.

Ela também pediu a ajuda de renomados psicólogos, psiquiatras e sexólogos para refletir sobre o que está acontecendo nos relacionamentos amorosos - na Internet e fora dela. Participam do livro Oswaldo M. Rodrigues Jr, Luiz Cuschnir, Ronaldo Pamplona da Costa, Edson Engels, Moacir Costa, Rosely Sayão, Paulo Gaudencio, Lídia Aratangy, Hugo Fagundes, Maria Rita Seixas, Eduardo Ferreira-Santos, Aurea Roitman, Christina Freire, Sergio Perazzo, Claudia Corbisier, Carla Zeglio, Rubens Coura e Marcelo Augusto Toniette. Por fim, ela convidou o antropólogo Mauro Cherobim para ler todas as histórias e comentar o fenômeno socialmente.
Amor na Internet – Quando o virtual cai na real é um livro inteligente, divertido e oportuno, que faz uma reflexão bem-humorada sobre esse fenômeno típico de nossos dias, e aponta os caminhos para a difícil realização amorosa na Internet (incluindo dicas para namorar na rede e lista com os melhores sites de encontros). Mais informações: http://www.record.com.br

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Pesquisas eleitorais II

No texto anterior fiz alguns comentários a um viés das pesquisas eleitorais, no caso decorrente de erros de amostra.

Que amostra, há se perguntar. Amostra é parte de alguma coisa. No caso das pesquisas eleitorais, faz-se a pesquisa em uma parte de um universo, ou de uma população, que são os eleitores brasileiros, ou de um Estado, de um município, etc. A amostra deve ser representativa da população. Em que sentido? Ter as mesmas características.

No texto anterior usei como exemplo o Estado de São Paulo. A pesquisa tinha como objetivo verificar as intenções de voto dos paulistas para a eleição para Presidente.

Estas eleições estão polarizadas em dois candidatos. E dois partidos políticos. Imagino que o Instituto pretendeu entrevistar somente os municípios governados por prefeitos pertencentes ao PSDB e ao PT e partidos a eles coligados. São 265 municípios, 41% do total de municípios paulistas. Se o objetivo seriam as intenções de votos do Estado de São Paulo a amostra deixaria de ser representativa. Qual é o perfil (ou as características) dos municípios não considerados na pesquisa? Aqui haveria um primeiro erro de amostragem que provocaria um viés (ou desvio) nos resultados.

Se a pesquisa, por hipótese, desejasse conhecer as intenções de votos dos municípios governados pelos dois principais partidos e seus coligados (não tem sentido fazer isto, mas...), deveria estar explicito na divulgação dos resultados.

Fossem os 645 municípios do Estado de São Paulo ou os 265 municípios governados pelos dois partidos e seus coligados o lócus a pesquisa, o objeto da pesquisa. O objetivo de uma pesquisa eleitoral, no entanto, é projetar a votação dos candidatos se a pesquisa fosse hoje (isto é, no momento em que a pesquisa for realizada). A lógica, então, seria considerar os 645 municípios como o universo da pesquisa.

Nestes municípios existem prefeitos de vários partidos. Associa-se o município ser “de determinado partido” segundo a filiação do prefeito. Considerando que 205 (32%) dos municípios são governados por prefeitos do PSDB e de partidos coligados e 60 (9%) por prefeitos do PT e partidos coligados, os 380 (59%) são representados por quais partidos?

Para que a amostra fosse representativa

1. ter-se-ia que conhecer este perfil político-partidários do universo e

2. considerar os eleitores uma parte da população: pessoas maiores de 16 anos divididas por sexo e classes etárias.

Os institutos têm estes dados. As informações da FIBGE estão na internet. À disposição de qualquer cidadão e cidadãs brasileiros e do mundo todo.

Esta é a relação do universo com a amostra. O tamanho da amostra vai depender de tempo, custo, etc., mas sempre guardando as relações. Se a população eleitora for de 49% de homens e 51% de mulheres, este deve ser o percentual das pessoas entrevistas. Não é o caso de entrevistar mais homens que mulheres porque LILS tem mais simpatizantes homens que mulheres. E Dilma terá um número maior de intenções de votos. Como discuti no texto anterior.

Procurei discutir num texto seguinte os erros de amostragem que provoca um viés, isto é, um desvio dos resultados em relação ao parâmetro da população.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Pesquisas eleitorais.

Outro dia, numa conversa os resultados das pesquisas eleitorais foram colocados em dúvida e eu comentei que as pesquisas eram metodologicamente corretas, mas não sabia como os institutos elegiam a amostragem. Quando falo em metodologicamente corretas não excluo as manipulações.

Uma pesquisa pode ser metodologicamente correta na sua execução, mas incorreta nos seus resultados se a amostragem for manipulada. Por exemplo, se quisermos saber algo sobre pessoas com mais de 50 anos a nossa amostragem deverá ser algo que represente a população nesta idade. Se esta população for de 40% de homens e 60% de mulheres, este deverá ser o percentual de homens e de mulheres entrevistados. E não podemos entrevistar pessoas de outras classes etárias. É a isto que chamamos de representatividade da amostra.

No caso das pesquisas eleitorais as entrevistas deverão ser realizadas no mesmo percentual de cidades representadas pelos partidos em disputa. 205 prefeituras paulistas são governadas pelo PSDB e partidos coligados (60%) e o PT e partidos coligados governam 60 cidades (30%). Este é o universo. Se a amostra fosse de 19% (ver tabela em http://lucioneto.blogspot.com/2010/08/extra-extra-datafolha-tambem-faz-parte.html), para ser representativa, deveriam realizar entrevistas em 39 cidades “do PSDB” e 12 cidades “do PT”. No entanto foram entrevistadas 24 cidades “do PSDB” (12%) e 26 cidades “do PT” (43%). A amostra não foi representativa e vai dar uma votação maior que a real (se as eleições fossem naquele momento) à candidata do PT.

Estas pesquisas não têm valor nem para planejamento de pesquisa, somente para “marquetim” para induzir o eleitor. Isto é crime. E isto se faz num processo para se aproveitar do chamado “voto útil”.

Leiam os dois artigos dos links abaixo para que vocês tenham uma idéia mais clara de como estamos sendo manipulados. Isto me lembra muito bem uma declaração do deputado (não sei se ainda é) João Cunha, que foi presidente da Câmara logo que LILS foi eleito e que depois renunciou no escândalo do mensalão para não perder o mandato (bom “rapá”!): “a nossa campanha não foi ideológica, mas uma luta para a conquista do poder”. E a luta continua para a manutenção do poder.

Fontes:

http://lucioneto.blogspot.com/2010/08/ibope-o-abc-de-uma-pesquisa-manipulada.html

http://lucioneto.blogspot.com/2010/08/extra-extra-datafolha-tambem-faz-parte.html

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O naturismo “bon sauvage”

Em todas as discussões voltadas às definições do naturismo vêm à mente as idéias do “bon sauvage” de Rousseau. E quando eu me reporto ao universo paradisíaco de Rousseau vêm à mente a forma de como os doutores da Igreja organizaram a Bíblia em 280 D.C. Lilith, a primeira Eva, foi banida do conhecimento cristão, substituída por uma Eva submissa e não confiável. Claro, originou-se de uma costela de Adão, torta como a costela, nunca se aprumaria como os homens.

Este era o paraíso do Éden e é o “paraíso” que acompanha as mulheres até os dias atuais. Quarenta e duas mil mulheres foram assassinadas nos últimos dez anos.

“O corpo é a prisão da alma” ensinou Platão, aprenderam os judeus helênicos fundadores do cristianismo e até hoje procuramos escondê-lo, de vergonha da sua existência.

Nós somos o corpo, ou o corpo somos nós. Corpos sexuados, sexos que nos dão vida. Corpos que nos distinguem entre masculinos e femininos e que se constituem como base de homens e mulheres, determinados pelo desenvolvimento dos nossos papéis em sociedade.

Prega-se que o naturismo é a nudez sem sexo. Uma nudez assexuada. Eunucos? Ou se confunde sexualidade com sexo genital?

Com roupas ou sem roupas a nossa genitália nos acompanha. Com roupa ou sem roupas somos masculinos e femininos, homens e mulheres.

Isto me deixa sem entender o que é nudez sem sexo. Desde que nasci até hoje eu sou do sexo masculino e no meu processo de vida venho aprendendo a ser homem no dinamismo da sociedade. Deverei passar uma borracha sobre isto no momento em que ingresso numa área naturista?

Está na cabeça de todos nós e também na liderança naturista no Brasil que nudez é sinônimo de relacionamento sexual. O sexo genital. Claro que eu a entendo, pois esta relação é da Idade Média, a idéia transmitida pelos representantes da Igreja na expansão do cristianismo na Europa para desprestigiar os “povos pagãos” e pregar a idéia platônica do corpo como prisão da alma e a misoginia medieval pregada pela igreja cristã.

Passaram-me dois milênios e ainda vemos estas idéias vigentes na liderança naturista brasileira.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Nossos parabéns a “los hermanos”.

Costumamos falar mal de “los hermanos”. Tudo de ruim vem de lá. Será que os maus não seremos nós?

Eu não vi (só) tristeza na fisionomia dos jogadores da seleção. Vi pavor, medo. Não acho que fosse medo de Dunga, mas dos 190 milhões de técnicos espalhados pelo Brasil a fora. A fisionomia dos jogadores no Galeão era de terror. Enquanto isto Maradona e os jogadores eram recebidos com alegria em Buenos Aires.

Para quê um técnico de futebol, se os torcedores e a imprensa entendem melhor que ele? Que as escalações, táticas, etc. sejam plebiscitárias. Não seria melhor?

Do alto do seu trono o vice-rei da FIFA e rei da CBF aponta o polegar para baixo: morra o técnico. E os 190 milhões de leões urram de alegria. A “justiça” foi feita.

A religião é o ópio do povo. Dizem que Marx escreveu isto. Digamos que este pensamento seja verdadeiro. Se for, eu acrescento a ele: o futebol é ópio do povo. Há muito deixou de ser uma competição esportiva para ser um meio para entorpecer mentes. Entorpeceu as mentes de brasileiros, mas não entorpeceu as mentes dos argentinos, dos paraguaios, dos chilenos.

Enquanto isto o Guia guia (a redundância é proposital) a descida de uma pára-quedista no terceiro andar de um palácio do Planalto Central.

E eita nós, os nacionalistas de chuteiras. Temos o governo que merecemos.

terça-feira, 29 de junho de 2010

A Fifa controla o dinheiro, marca os adversários e dribla a Justiça

Disponível em http://blogdojuca.uol.com.br/2010/06/uma-entrevista-explosiva-e-verdadeira/ . Acesso em 29/06/2010.

A Fifa controla o dinheiro, marca os adversários e dribla a Justiça

26 de junho de 2010

Flavia Tavares, de O Estado de S. Paulo

Enquanto o English Team sofria para passar às oitavas contra a Eslovênia, o escocês Andrew Jennings desfiava o sarcasmo adquirido ao longo da vida de repórter investigativo na Inglaterra, na BBC e em grandes jornais. Com a pontaria muito mais calibrada que a dos artilheiros desta Copa do Mundo, o jornalista vai relatando casos de corrupção que apurou para produzir seus três livros sobre o Comitê Olímpico Internacional (COI) e outro sobre aFederação Internacional de Futebol (Fifa) – mesmo sendo o único jornalista do mundo banido das coletivas da entidade desde 2003.

O jornalista inglês Andrew Jennings relata em livro casos de corrupção dentro da Fifa

Um dos escândalos relatados por ele em 2006, no livro Foul! The Secret World of Fifa (não traduzido no Brasil), teve um desfecho na sexta-feira. Altos dirigentes da organização máxima do futebol receberam propina, admitiu a Justiça suíça. Mas eles não serão punidos porque a lei do país, que é sede da Fifa, permitia o “bicho” na época.

Os figurões pagarão apenas os custos legais e suas identidades não serão reveladas. “É por isso que meu segundo livro sobre o tema será uma comparação da Fifa com o crime organizado”, conta. Ele optou por publicar a obra depois das eleições na entidade, em maio de 2011, embora duvide que alguém vá enfrentar o dono da bola, Joseph Blatter. “Ninguém ousa desafiar a Fifa porque eles controlam o dinheiro. E a imprensa cala”, dispara Jennings.

Em suas investigações sobre a Fifa, o que o senhor descobriu?
A Fifa é comandada por um pequeno grupo de homens – não há mulheres em altos postos da entidade e isso fala por si – que está lá há muitos anos. São homens em quem não devemos confiar e contra quem temos provas contundentes. Eles podem continuar no poder porque controlam o dinheiro. E tornam a vida dos dirigentes das confederações nacionais muito boa e fácil. Fico envergonhado porque ninguém se manifesta contra esse poder.
Como os dirigentes se manifestariam?
Zurique, sede da Fifa, é uma Pyongyang do futebol. O líder fala e os outros agradecem. Numa democracia é esperado que haja discordância, oposição. Na Fifa, não há. Eles têm um congresso a que, ironicamente, chamam de parlamento. São cerca de 600 delegados – acho que são 2 ou 3 por país representado, e são 208 países. Se você chegasse de Marte acharia que o mundo é perfeito, porque todos concordam. É vergonhoso. Nisso, a CBF é tão culpada quanto todas as outras confederações.


Que instrumentos a Fifa usa para manter esse poder?
A Fifa dá cerca de US$ 250 mil por ano para cada país investir em futebol. Na Europa, não precisamos desse dinheiro. A indústria do futebol fatura o suficiente para se alimentar. Mas é uma forma de a Fifa se manter. Esse dinheiro nunca é auditado. Na Suíça, a propina comercial não era ilegal até pouco tempo, apenas o suborno de oficiais do governo. O caso que eu conto no meu livro é justamente sobre um esquema de propinas pagas pela International Sport and Leisure (ISL), empresa que negociava os direitos televisivos e de marketing da Fifa. A história é cheia de detalhes, mas no final a ISL só foi responsabilizada pelo fato de gerenciar mal seus negócios enquanto devia para outras empresas.

Não houve punição?
Como eu disse, o pagamento de propina não era ilegal na Suíça. Portanto, não havia crime a ser punido. As acusações contra a Fifa foram retiradas e a entidade foi multada em 5,5 milhões de francos suíços (cerca de US$ 5 milhões) para custos legais.


Por que os governos não se envolvem ou a Justiça não faz algo?
Porque a sede da Fifa é na Suíça e a lei lá é muito permissiva. Para outros países, é inaceitável que esses homens se safem tão facilmente e que os altos dirigentes riam da nossa cara desse jeito. O que me deixa enojado é que os líderes dos países – o primeiro-ministro britânico, o presidente Lula e todos os outros – façam negócio com essas pessoas. Eles deveriam lhes negar vistos, deveriam dizer que não querem se relacionar com dirigentes tão corruptos. E tenho certeza de que, se os governantes se voltassem contra a corrupção da Fifa, teriam apoio maciço dos torcedores/eleitores.

Por que todos são tão complacentes?
Suponhamos que você seja uma torcedora fanática pelo seu time. Você vai à Copa do Mundo, mas como sempre há escassez de ingressos. Você então compra suas entradas de cambistas, mesmo sabendo que parte desse ágio vai voltar para o bolso da Fifa, já que ela é suspeita de liberar esses ingressos para os ambulantes. Você não pode provar, claro, mas você sabe. As pessoas não são estúpidas. Os governos menos ainda, eles podem investigar o que quiserem. Mas não investigam a Fifa porque os políticos simplesmente ignoram os torcedores. É o que já está acontecendo com a Copa de 2014. Qualquer brasileiro com mais de 10 anos sabe que a corrupção já está instalada. Por que ninguém faz nada?


Por quê?
É difícil saber. Se um país relevante enfrentasse a Fifa ela recuaria. Ou você acha ela excluiria o Brasil de uma Copa? Eles conseguem enganar países pequenos, esquecidos pelo mundo. Mas, se o Brasil dissesse não à corrupção, provavelmente a América Latina se uniria a vocês. E você acha que esses líderes latino-americanos nunca discutiram a possibilidade de um levante, de fazer o que os europeus já deveriam ter feito há tempos? Acho que lhes falta coragem.


O Brasil tentou fazer uma investigação, por meio de uma CPI.
Tentou e foi ao mesmo tempo uma vitória para o país e uma grande decepção, porque pararam de investigar no meio. O povo vai ter de pressionar os políticos a fazer algo. É realmente uma pena que o Brasil tenha chegado tão longe na investigação e tenha desistido no caminho. Havia provas para seguir em frente, para tirar a CBF das mãos do Ricardo Teixeira e, quem sabe, colocar auditores independentes lá dentro. A Justiça também poderia ser mais ativa. Por mais que eles tenham comprado alguns juízes, não compraram todos, certamente.

Sabendo de tudo isso o senhor ainda consegue curtir o futebol, se divertir com ele?
Sim, porque a corrupção não está tão infiltrada nos jogos, embora chegue a essa ponta também. Ela fica mais nos bastidores. Há exceções, como na Copa de 2002, em que a Espanha e a Itália foram roubadas grotescamente. Era importante para a Fifa que a Coreia do Sul passasse adiante. Não foi culpa dos jogadores, mas as razões políticas e econômicas se impuseram. Na Coreia, o beisebol é mais popular do que o futebol. Se eles fossem desclassificados, os estádios se esvaziariam. Neste ano, todos ficaram de olho nos jogos de times africanos. Blatter também precisa de um time do continente nas oitavas. A questão é que, quando assistimos às partidas, assistimos aos atletas, ao esporte, então, é possível confiar. É fácil punir um árbitro corrupto e a maioria não é corrompida.


Então, a corrupção não interfere tanto no esporte?
Cada centavo que os dirigentes tiram ilicitamente da Fifa ou das organizações nacionais é dinheiro que eles tiram do esporte e de investimentos. Portanto, estão desviando de nós, torcedores, e dos atletas que jogam no chão batido em países subdesenvolvidos. Eles tiram dos pobres.


É possível para os jogadores, técnicos e dirigentes se manterem distantes da corrupção no futebol?
Bom, o dinheiro normalmente é tirado do orçamento do marketing, não afeta jogadores e técnicos dos times nacionais. Uma coisa interessante é o comitê de auditoria interna da Fifa. Um dos membros é José Carlos Salim, que foi investigado muitas vezes no Brasil. Por que você acha que ele está lá? Para fingir que não vê.

A corrupção no futebol começa nos clubes e se espalha ou vem de cima para baixo?
Sempre haverá um nível de roubalheira em todas os escalões. Para isso temos leis e, às vezes, conseguimos aplicá-las. Mas a pior corrupção está na liderança mundial. Quase todos os países assinam tratados internacionais anticorrupção, mas não fazem nada quanto aos desmandos da Fifa e do COI. E, quando algum governante tenta ir atrás de dirigentes de futebol corruptos, a Fifa ameaça suspender o país. Só que ela faz isso com os pequenos. Fizeram isso com Antígua! Suspenderam o país minúsculo que ousou processar o dirigente nacional. Ninguém falou nada. Eu escrevi sobre isso porque tenho fãs lá que me avisaram do caso.


O senhor se sente uma voz solitária na imprensa?
Não confio na cobertura esportiva das agências internacionais. Em outras áreas elas são ótimas. Não no esporte. É uma piada. Apresento documentários com denúncias graves sobre a Fifa na BBC, num programa de jornalismo investigativo chamado [ITALIC]Panorama[/ITALIC], e dias depois a BBC Sport faz um programa inteiro em que Joseph Blatter apresenta alegremente a nova sede da Fifa em Zurique.

O senhor acompanhou a briga do técnico Dunga com a imprensa brasileira?
Não vou comentar o episódio porque não acompanhei de perto. Posso dizer que a imprensa inglesa e a da maioria dos países é puxa-saco. E sem razão para isso. A desculpa é que os editores têm medo de perder o acesso às seleções e à Fifa. Bobagem. Ora, eu fui banido das coletivas da Fifa sete anos atrás e ainda consegui escrever um livro e fazer várias reportagens. A imprensa deve atribuir as responsabilidades às autoridades. Se não fizer isso, é relações públicas. Tenho milhares de documentos internos da Fifa que fontes me mandam e não param de chegar. Por que só eu faço isso?

A cobertura se concentra mais no evento esportivo em si e nas negociações de jogadores?
Exato, também porque a chefia das redações tende a se concentrar nos assuntos de política nacional, internacional e na economia e deixar o esporte em segundo plano.


O que o senhor espera da Copa no Brasil, em 2014?
Há algumas semanas, o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, deu um piti público cobrando o governo brasileiro para que acelerasse as construções para a Copa. Estranhei muito, porque não imagino que o governo brasileiro se recusaria a financiar uma Copa. Vocês são loucos por futebol, estão desenvolvendo sua economia, têm recursos e podem achar dinheiro para isso. Uma fonte havia me dito que Valcke e Ricardo Teixeira tinham tirado férias juntos, estavam de bem. Então, o que está por trás dessa gritaria? É pressão para o governo brasileiro colocar mais dinheiro público nas mãos da CBF. Mundialmente, as empreiteiras têm envolvimento com corrupção. Dá para sentir o cheiro daqui.

Três de seus livros são sobre as Olimpíadas. As falcatruas acontecem em qualquer esporte ou são predominantes no futebol?
Sou cuidadoso ao falar disso. Sei que a liderança da Fifa é muito corrupta – e venho publicando isso há mais de dez anos sem que eles tenham me processado nem uma vez sequer, o que diz muito. O COI era muito pior sob o comando de Juan Antonio Samaranch (morto em abril deste ano), que presidiu a entidade de 1980 a 2001. Ele era um fascista e o fascismo é, além de tudo, uma pirâmide de corrupção. Samaranch trabalhou ao lado do generalíssimo Franco. Essa cultura franquista e fascista se transformou em uma cultura gângster.

A corrupção no COI diminuiu com a saída de Samaranch?
Vou ilustrar com uma história. No meu site publiquei uma foto de Blatter cumprimentando um mafioso russo, em 2006, em um encontro com dirigentes do país. O russo foi quem fez o esquema em Salt Lake, na Olimpíada de Inverno de 2002, para que os conterrâneos ganhassem o ouro em patinação artística. Pois bem, Blatter, Havelange e muitos outros da Fifa são parte do comitê do COI. Essa é a dica de como a Rússia está agindo para sediar a Copa de 2018.


Foi assim que o Brasil conseguiu a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016?
Na votação em Copenhague, que deu a sede olímpica para o Rio de Janeiro, o nível de investigação jornalística foi ridículo, só víamos a praia de Copacabana com o povo feliz. Há um grupo no COI que já foi denunciado por receber propina no escândalo da ISL – e quem acompanha a entidade sabe quem eles são. Os dirigentes dos países só precisam pagar umas seis ou sete pessoas para conseguir o voto. Existe, com certeza, uma sobreposição entre os métodos da Fifa e do COI. Mas a cultura das duas entidades não é tão estrita quanto à de uma máfia, é mais como se fossem máfias associadas, apoiadas umas nas outras. Coca-Cola, redes de fast-food, Adidas, você acha que essas companhias não sabem o que está acontecendo? Eles não são estúpidos. A cara de pau é tamanha que Jacques Rogue, presidente do COI, disse em Turim, em 2006, que o COI e o McDonald’s compartilham os mesmos ideais. Será que ele não sabe quanto a obesidade infantil é um problema gravíssimo em vários países? Ou faz parte do jogo ceder a esses interesses?

Por Juca Kfouri às 22:35