quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Amizade e descaminhos políticos


Eu tenho um amigo que neste ano a amizade fez 60 anos. Nós nos conhecemos na Base Aérea de Santos num curso de cabo radiotelegrafista auxiliar. Eu havia feito um curso anterior, mas fui reprovado no exame de radiotelegrafia. Eu e mais dois. Três “oriondi”: um de italiano, um de japonês e um terceiro de alemão. Pela ordem, um paranaense, um paulista e um catarinense. Os três fomos nos matriculamos neste novo curso de cabo. O italiano e o japonês, por já serem operadores ficavam mais na Estação Rádio da Base e por serem operadores, foram aprovados num concurso de sargentos. 

Os dois aprovados já estavam no Rio de Janeiro fazendo o curso de sargento voluntário especial enquanto os seus amigos terminavam o curso de cabo. No final do curso do Rio o italiano foi trabalhar em Goiânia e o japonês em Bauru. Seis meses mais tarde o de Goiânia foi para Xavantina. Chegou lá na tarde do dia em que os revoltosos de Aragarças e Xavantina. As aeronaves carregadas de soldados retornaram para as suas unidades e os voos foram proibidos por quase três meses. Era época das águas; o trecho Barra do Garça e Xavantina ficava intransitável.

Quando os voos normalizaram o sargento que era o meu chefe, foi substituído por um colega novinho, recém promovido e eu fiquei responsável pela Estação. Também retornou para São Paulo o cabo que encontrei foi substituído por um outro. Eu e os cabos (o que saiu e o que chegou) fomos colegas da mesma turma de cabos de Santos.


Xavantina era, oficialmente, o Centro de Atração Ministro João Alberto (CAMJA), um órgão da Fundação Brasil Central. O cabo que chegou com o saco de lona que os soldados recebem quando são incorporados e embaixo do braço um livro grosso. Não, não era a Bíblia. Era o “Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa” de Gustavo Barroso. A toda hora ele vinha a mim e falava: “Cherobim, aprendi mais uma palavra!” Para este meu amigo cada verbete era como se fosse um versículo bíblico. .

De Xavantina fui transferido para a Estação de Rádio do Aeroporto Afonso Pena de Curitiba, retornei para São Paulo, saí da FAB. Ambos nos aposentamos, eu da Universidade e ele da FAB. Um dia recebi um e-mail perguntando se eu era o Cherobim da FAB. Nos reencontramos e passamos a nos encontrar. A primeira vez foi em Rio Claro, onde ele morava. Ele morava lá e eu vinha de Araraquara onde fora participar de uma banca. Combinamos via telefone e eu passei ela casa dele tomar um café. Era para tomar um cafezinho e conversamos umas cinco horas. Ou mais.

As escolas militares são tidas pelos seus alunos como berço. O nosso berço foi o nosso curso de cabo em Santos. Muitos amigos sumiram do nosso horizonte, mais do meu pelo fato de eu ter e afastado da FAB. Uma parte deles já eram falecidos. Outros havia saído.


Quando já havíamos (na verdade este amigo) descoberto uma dezena de colegas combinamos fazer um encontro no nosso “berço”, a Base Aérea de Santos. O comandante ficou emocionado a receber um grupo de velhinhos visitando onde há meio século eles receberam instrução profissional. Ofereceu àqueles velhinhos uma apresentação militar emocionante. Os que já haviam falecido foram representados pelas suas esposas e pelos filhos. (texto não editado).

É interessante acompanhar a vida de amigos através das décadas. Este meu amigo tornou-se lulólotra (adorador de Lula). Não é por isto que devemos deixar que esta adoração interfira na nossa amizade. Se isto acontecer estaremos sobrepondo à nossa amizade à uma vontade política, plena de aspectos antissociais que tanto mal fizeram ao nosso país. Se não fizermos isto mergulharemos no terror que temos testemunhado.