quarta-feira, 27 de abril de 2011

A imprensa e a boa educação

Ainda está rendendo o conflito entre Requião e o jornalista. E quem acompanha a vida política de Requião conhece a sua forma agressiva quando se vê frente à uma contestação. As suas brigas com o judiciário são famosas.

Transformar estes conflitos em atos de censura à imprensa não é correto. A censura se caracteriza se ela for institucional. É claro que Requião tem se valido da sua autoridade (institucional: governador, senador, etc.) para fazer valer as suas idiossincrasias. O mesmo vale para Bolsonaro, que disse que fala e continua falando porque é deputado e tem imunidade. Ou seja, valem-se das suas autoridades institucionais para agredir os outros.

Outro dia estava ouvindo uma discussão um “debate” na Rádio CBN de um militante da causa ambiental com o deputado Aldo Rabelo. O militante foi grosseiro para com o deputado e não deixava falar. Se fosse com Requião sairia briga, diferente do cavalheirismo de Aldo Rabelo. Sae o deputado tivesse atitude semelhante ao militante seria chamado de censor.

A imprensa é boa, deve ser investigativa, mas não policial. No mau sentido. Terá que respeitar os seus entrevistados. Não deve entrevistar como se estivesse numa masmorra. Além disto, não interessa ao leitor ou ao ouvinte a opinião do jornalista (ou repórter), mas a do entrevistado. Este é a notícia.

Voltando ao início: considerar uma resposta malcriada ou uma reação de agressão física de um entrevistado como censura ou como um ato de se impedir o trabalho jornalístico é machucar a inteligência do leitor (ou do ouvinte ou do espectador).

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Igualdade e diferença sociais

No imbróglio político-mediático provocado pelo deputado federal falastrão Jair Bolsonaro (PP-RJ), o sistema de cotas foi um dos temas que entrou na discussão em termos de ser a favor ou ser contra.

O sistema de cotas é em princípio necessário, tem os seus aspectos positivos, mas poderá acarretar danos futuros. Tem sido chamado de um programa de discriminação positiva, mas toda discriminação, seja ela positiva ou negativa, traz problemas e uma desigualdade que se queira corrigir poderá se tornar maior.

A política de cotas foi pensada e instituída como um mecanismo para diminuir as desigualdades na sociedade brasileira. A partir do momento da sua aplicação nos exames vestibulares houve manifestações de supressão de direito, pois alunos com avaliação que lhes dava direito ao ingresso numa universidade foram preteridos pelos chamados cotistas. O sistema deu direito a alguns em detrimento ao direito de outros. Foi um desrespeito à Constituição Federal na sua parte em que diz que todos são iguais perante a lei. Mas também era uma inconstitucionalidade a existência de pessoas que por motivos sociais, econômicos, de etnia e outros, tem-lhes negado o acesso à universidade.

A Constituição Federal no seu Art. 37, Alínea VIII prescreve que “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”. Com base neste artigo, o Estado do Rio de Janeiro reservou 50% das vagas nos vestibulares das universidades estaduais para alunos da escola públicas estaduais. Se por um lado poder-se-ia justificar a medida da reserva de vagas nos vestibulares para alunos das escolas estaduais, por outro lado há o caso da universalidade do ensino superior e o critério de mérito ao seu ingresso.

A lei federal no 10.558, de 13 de novembro de 2002 criou o Programa Diversidade na Universidade. Segundo o seu art. 1o , “fica criado o Programa Diversidade na Universidade, no âmbito do Ministério da Educação, com a finalidade de implementar e avaliar estratégias para a promoção do acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos, especialmente dos afrodescendentes e dos indígenas brasileiros”.

A lei previa repasse de verbas da União ao Programa pelo período de três anos (Art. 3º) e não havia qualquer outra referência ao tempo de execução do programa. A Lei federal 11.507 de 2007 revogou o Art. 3º tornando o programa permanente sob a tutela financeira da União. O seu Art. 2º define uma política de ação afirmativa que consiste na “necessidade de promover a representação de grupos inferiorizados na sociedade e conferir-lhes uma preferência a fim de assegurar seu acesso a determinados bens, econômicos ou não” (Moehlecke, 2002:200).

A política de ação afirmativa envolve práticas e a mais conhecida e alvo de debates, muitas vezes inflamados de opiniões contra e a favor, “é o sistema de cotas, que consiste em estabelecer um determinado número ou percentual a ser ocupado em área específica por grupo(s) definido(s)” (Id. P. 199).

Iniciei este texto com o imbróglio causado pelas declarações do deputado porque reflete a opinião das pessoas contrárias ao sistema de contas. As respostas dos partidários ao sistema de cotas mais confundiam que explicavam. Para a população esse sistema é um grande enigma injusto.

Por que uns têm direitos e outros não, se a legislação e a Constituição Federal, em particular, atribuem direitos iguais a todos. Por que o Brasil é um país tão desigual – isto é, é monstruosa a sua desigualdade social (e econômica) – se apregoamos, a todo o momento que todos somos iguais perante a lei?

Desigualdade e diferença são conceitos que se entendem como aparentemente semelhantes nas discussões a respeito das cotas. Refletindo um pensamento o político citado acima afirmou que nunca embarcaria num avião pilotado por um cotista. Diria com isto que um beneficiário do sistema de cotas nunca se igualaria a outro que chegara a piloto, por esforço próprio, sem os benefícios alguma ação positiva. Os dois pilotos (o cotista e o não-cotista) seriam sempre diferentes nas suas aptidões profissionais. Esta “diferença” seria uma desigualdade nunca superada.

O que significa desigualdade social e diferença social? Vou me utilizar das conceituações do Prof. Fábio K. Comparato. Segundo ele, as diferenças sociais são as

diferenças que têm uma base natural ou, então, são produto de uma construção cultural. Tem uma base natural a diferença entre os sexos; isto provoca, inelutavelmente, uma diferença de comportamento social, uma diferença de posição social. Por outro lado, existem diferenças fundadas, digamos assim, num condensado cultural: costumes, mentalidades. Todos aqueles que seguem uma mesma religião, que têm uma mesma visão do mundo e uma mesma tradição tribal ou grupal, distinguem-se dos demais; são diferenças nítidas (Comparato, 1998:1).

As desigualdades, por outro lado,

dizem respeito não a diferenças naturais ou culturais, mas a um juízo de superioridade e inferioridade entre grupos sociais, entre camadas sociais, entre classes sociais. E este juízo de superioridade ou inferioridade acarreta, necessariamente, uma apreciação de estima ou desestima de um grupo em relação ao outro - de onde os preconceitos - e de valor social. Ou, então, fundamenta posições jurídicas nítidas: tal grupo tem tais direitos próprios, que são conhecidos, na técnica tradicional do Direito, como privilégios; outro não tem direitos, é um subgrupo, não pode se igualar aos demais (Id)

A educação indígena, por exemplo, e a qual eu tenho mais familiaridade, tem como objetivo manter as diferenças (étnicas) e eliminar a desigualdade. A eliminação da desigualdade. A Constituição de 1988 reconhece os direitos de um “outro”, mas a legislação, na sua maioria, é anterior a 1988 e relutante ao reconhecimento do “outro”.

O Estado promoveu cursos de formação de professores indígenas. O Estado de São Paulo forneceu curso de pedagogia para professores indígenas e outros Estados brasileiros fizeram o mesmo. As escolas indígenas compõem a rede de ensino estadual e os professores indígenas terão que se sujeitar a concursos de ingresso. É exigência que o candidato seja portador de documentação como cédula de identidade, cadastro na Receita Federal, etc. O Estatuto do Índio foi aprovado na vigência do Código Civil de 1916 que o define como relativamente incapaz, tutelado pelo Estado enquanto forem se “adaptando à civilização do País (Artigo 5º, III, § único)[1]. O curso universitário e a posse dos documentos atestariam a sua capacidade civil e a perda da tutela. Este ato o afastaria a sua comunidade e o exercício da docência far-se-ia do mesmo modo de um professor não índio, sujeito, até, a proibição de ingresso nas áreas indígenas.

Acresce que a desigualdade social, como salienta Comparato, por juízos de superioridade e de inferioridade que “acarreta, necessariamente, uma apreciação de estima ou desestima de um grupo em relação ao outro - de onde os preconceitos - e de valor social”(Id.). Os índios são citados no Código Civil de 1916 como silvícolas, uma condição inferiorizada quando comparados com os civilizados. O Código Civil atual tratos como índios.

O caminho para a igualdade social é um processo de ocupação de espaços sociais e isto causa conflitos. Voltando ao exemplo da educação indígena, houve denúncia de delegados de ensino assediarem os índios para não aceitarem professores indígenas com o argumento de que os professores não-índios eram melhores. Apesar de a legislação determinar que os docentes das escolas indígenas devam ser bilíngues e membros da mesma etnia.

O sistema de cotas tem como objetivo diminuir (acabar será uma utopia) as desigualdades, mantendo-se as diferenças. Em muitos aspectos está havendo uma igualdade de gêneros, mantendo-se as diferenças entre homens e mulheres.

As ações afirmativas deverão ser um programa contínuo, mas o sistema de cotas, umas das suas práticas, deverão ter limites de tempo. Por exemplo: o sistema de cotas nas universidades decorre das desigualdades existentes nos ensinos básico e médio. Uma reestruturação destes dois níveis de ensino para oferecer ensino de qualidade a todas as crianças independentemente de níveis socioeconômicos, etnia, etc. diminuiria a desigualdade social e a continuidade dos estudos dependeria do mérito pessoal de cada aluno.

COMPARATO, F. O Princípio da igualdade e a escola. Cadernos de Pesquisa, n.104, p.47-57, jul. 1998 (Disponível em http://www.iea.usp.br/artigos/comparatoigualdadeeescola.pdf ).

MOEHLECKE, Sabrina. Ação afirmativa: História e debates no Brasil. Cad. Pesqui. [online]. 2002, n.117, pp. 197-217. ISSN 0100-1574.



[1] Segundo o Art. 4º, §único do Código Civil de 2002 “A capacidade dos índios será regulada por legislação especial”.