Lenitivos
Carmela,
As vezes me ponho a pensar
Nos arrebóis do nosso amor...
- Eu colibri a esvoaçar,
E tu, virgem
roseira, em flor...
De palpitações me nutria,
E que saudoso palpitar!
- Minha alma, abelha que sorria,
Entre volúpias, ao néctar...
Colibris vêm ao jardim
Vêm uma flor! Voam em vão,
Deixou-o a canícula, assim.
Entanto, daquela, o esplendor
Mesmo da vida no verão,
Satura-me ainda de amor!
Morretes, Pitinga, 1927
Francisco Serôa da Motta Sobrº
O meu avô materno chegou em Curitiba por volta de 1905,
quando conheceu a minha avó, Maria Carmela Sentone. Meu avô vinha de uma
maratona de vida. Nasceu na cona rural de Propriá, Mata da Vara e perdeu a sua
mãe no parto. Foi criado por duas de suas tias maternas e na adolescência foi
para Recife viver com um seu tio, também materno e homônimo, militar e
comandante de uma unidade do Exército. Quando chegou na idade do serviço
militar sentou praça e logo a seguir, na graduação de sargento apresentou-se
voluntário para seguir ao Acre, época da crise com a Bolívia. A viagem era
feira por vias marítima e fluvial (claro há pouco mais de um século!). Quando
se aproximava do rio Purus a tropa foi acometida de beribéri (deficiência de
vitamina B1 – tiamina). O barco retornou e seguiu direto para o Rio de Janeiro
para internação no Hospital Central do Exército. Restabelecido, foi enviado
para Lorena onde havia uma unidade de repouso. Finda esta segunda fase de recuperação
foi transferido para a Colônia Militar de Xanxerê, oeste do atual Estado de
Santa Catarina. Em Curitiba teve a sua transferência reformulada para Foz do Iguaçu.
Esta viagem, contava o meu avô, era feita cm carroções até Guarapuava e daí
para frente a cavalo. Pelos relatos, estas tropas seguiam pelo Peabiru, o
caminho trilhado pelos índios guaranis entre as terras que hoje são o Paraguai
e a costa Atlântica.
No período em que ficou em Curitiba conheceu a minha avó,
Maria Carmela, estudante do Instituto de Educação do Paraná. Houve uma farta
correspondência entre os dois, quase toda em cartões postais. Cartas de amor.
Quando minha avó faleceu o meu tio que vivia com ela queimou toda a
correspondência. Mas sobram alguns cadernos manuscritos. Alguns ficaram comigo e
outros com minhas irmãs.
O meu avô, ao regressar de Foz do Iguaçu, pretendeu ingressar
na Escola Militar o Exército, para o curso de oficiais. Isto aconteceu quando o
Marechal Hermes da Fonseca assumiu o Ministério da Guerra e o reestruturou.
Dentre as mudanças houve o impedimento que os graduados alçassem o oficialato. Isto
o magoou muito e o levou a deixar o Exército. Nesta época a minha avó era professora
na zona rural de Araucária, Guajuvira.
Casaram e foram morar onde a minha avó lecionava e o meu
montou uma fábrica de refrigerantes, gasosa, como é conhecida no Paraná. A
maior parte da produção era vendida em Curitiba, transportava de carroção. O
meu bisavô era o napolitano, casado com uma moça de Iguape.
Por volta de 1915 resolveu comprar terras em Morretes. Soube
que o Estado estava oferendo títulos de propriedades de terras devolutas a interessados.
Meu avô conseguiu as terras e a minha avó a sua transferência para a escola
rural do Rio Sagrado. O casal era o mais – senão o único da região. Enquanto a
minha avó lecionava o meu avô se tornou o inspetor de quarteirão e uma espécie vice-prefeito.
O padre nomeou-o responsável (capelão) da capelinha de Santo Antônio, construída
no alto de um morro onde os meus pais casaram.
O beribéri deixou a sua marca no meu avô. Provavelmente pelos
esforços na lavra das suas terras, os efeitos da doença retornaram por volta de
1925, 1926. Comentava que por duas vezes viu-se às portas da morte.
No período de recuperação da segunda fase da sua doença
começou a escrever e a “poetar”. E a expressar o seu amor à sua Maria Carmela.
Muitos dos poemas do meu avô falam de morte no sentido espiritual do que no
sentido físico. Eu ainda me lembro dos comentários do eu avô quando o seu pai e
as duas tias que o criou faleceram. Ele comentou que recebera um aviso e algumas
semanas depois recebia uma correspondência, geralmente do seu primo Lourival,
falando do falecimento.
O meu avô era como um imigrante. Um brasileiro em terras
nacionais, mas em comunidades imigrantes. O Paraná por muito tempo foi uma Província
desabitada, região de criadores de muares das tropas que viajavam entre o sul e
São Paulo, a Quinta Comarca de São Paulo, “abandonada” na metade do Século por
ser republicano e a sede (São Paulo) monarquista.