segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A urna funerária e os caroneiros


No interior contam-se muitos “causos”. Um deles conta que uma pessoa faleceu numa pequena cidade próxima de Bauru, às margens do Tietê. Um motorista da cidade que estava em Bauru recebeu um telefonema para adquirir uma urna funerária. Adquiriu, colocou sobre a carga e regressou para a sua cidade.

Naquele tempo as estradas eram e barro, com raras jardineiras, era costume pedir carona aos veículos que passavam. Como as condições das estradas e os caminhões da época, a velocidade variava entre 30 e 40kmh. Os caronas se acomodavam sobre a carta.

Logo na saída de Bauru deu a primeira carona. Começou a chover obrigando o carona se abrigar dentro da urna funerária. A viagem seguia e aumentando o número de caroneiros. Numa altura da viagem o carona que se abrigara na urna resolveu abrir a tampa para ver se a chuva passara. As pessoas quando viram aquilo se assustaram e salvaram fora com o caminhão em movimento.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

A nova corrupção


Os noticiários tecem considerações acerca do sexto ministro que a presidente Dilma demite. Logo deveremos ter noticias do sétimo, do oitavo, mais outros, e os titulares dos ministérios vão mudando. Também é noticiado de que os governos Lula foram os mais corruptos que temos notícias. A corrupção nos governos Lula foi, na verdade, a mais explícita. Esta visibilidade se dá em face da sua institucionalização; as pessoas que desviam dinheiro o fazem para os seus partidos políticos, para pagar campanhas eleitorais. Os corruptos de fora do governo são descobertos em decorrência da descoberta dos corruptos institucionalizados.

Então eu me pergunto: basta demitir um ministro? Ou só isto basta? Ficando no último caso. As denúncias dizem que o dinheiro desviado ao para os caixas do partido a que pertencia o Ministro. O Ministro foi demitido e foi nomeado outro do mesmo partido. O mesmo partido que patrocinava o desvio de verbas públicas para os seus cofres. Partido que dá sustentação ao governo com “n” parlamentares. O novo ministro terá força política para se opor ao seu partido. Se ele se opuser perderá o cargo e o partido ficará.

Foram demitidos seis ministros, mas os seus partidos continuam lá.

E a Presidência da República continuará refém deste jogo movido a dinheiro público.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Davi e Golias. Texto de Fernando Henrique Cardoso.


Os governantes do regime militar diziam que vivíamos numa ilha de paz e prosperidade de um mundo conturbado. Os governantes atuais dizem coisas semelhantes. Naquela época não estávamos em nenhuma ilha, mas num descampado e com o traseiro à mostra. O “predestinado” reconstrói as imagens e começamos a sentir estarmos de volta ao descampado e de traseiro à mostra.
Davi e Golias
07 de agosto de 2011 | 0h 00
Fernando Henrique Cardoso - O Estado de S.Paulo
A propósito do atual dilema americano, a secretária de Estado, Hillary Clinton, disse que pela primeira vez em muito tempo não havia um abismo tão grande entre poder, economia e sociedade. Pode parecer banal, mas não é: nos Estados Unidos, o "ideal americano" dava solidez a um caminho em comum para o país. Havia tensões, tendências mais progressistas chocavam-se com outras mais conservadoras, o grande business sempre quis controlar mais de perto o governo, os governos ora se inclinavam para atender aos reclamos das maiorias, ora assumiam a cara mais circunspecta de quem ouve as ponderações da ordem, da econômica em primeiro lugar. Mas, bem ou mal, liberdade, democracia, prosperidade e ação pública caminhavam mais ou menos em conjunto.
E agora?, poderia perguntar, perplexa, a secretária de Estado. Agora, digo eu, parece que as classes médias e os mais pobres querem gasto público maior e emprego mais abundante, os conservadores querem ortodoxia fiscal sem aumento de impostos, os muito ricos pouco se incomodam com o gasto social reduzido, desde que a propriedade de cada um continue intocável. No meio de tudo isso, a crise provocada pelo cassino financeiro surgiu como um terremoto. Logo depois veio o marasmo da semiestagnação e, pior ainda, se desenha o que há pouco era impensável, a moratória do país mais rico do mundo! Por trás da peleja econômica corre a outra, mais profunda, a do poder: o Tea Party - os ultrarreacionários do Partido Republicano - levou o governo Obama às cordas. A agenda política, mesmo depois de "resolvida" a questão do endividamento, passou a ser ditada por eles: onde e quanto cortar mais no orçamento de um país que clama por muletas para reavivar a economia.
Na Europa as coisas não andam melhores. Cada solavanco da economia americana aumenta o contágio, essa doença internética: as taxas de juros cobrados dos países ultraendividados vão às nuvens. A rua agita-se, não faltam movimentos dos "Indignados" que veem o povo sofrer as agruras do desemprego e da desesperança e ainda ser cobrado para que as contas se ajustem. E, naturalmente, como nos Estados Unidos, os que mais têm e os que mais especularam ou esbanjaram (inclusive governantes imprevidentes) balançam a poeira e querem dar a volta por cima. Esperam que mais aperto, mais rigidez no gasto público e menos salários resolvam o impasse. Não se estão dando conta de que a cada xis meses uma nova tormenta balança os equilíbrios instáveis alcançados. É como se daqui a 30 anos os historiadores olhassem para trás e dissessem: ah, bom, a Grande Crise dos Derivativos começou em 2007/2008, foi mudando de cara, mas prosseguiu até que novas formas de produzir e de distribuir o poder começaram a dar sinais de vida lá por 2015/2020...
E nós aqui, nesta periferia gloriosa, a quantas andamos? Longe do olho do furacão, cantamos glória pelo que fizemos, pelo que de errado os outros fizeram e pelo que não fizemos, mas, pensamos, pouco importa, o vendaval do mundo varreu a riqueza de uma parte do globo para outra e nos beneficiou. Será que é assim mesmo? Será que a proeza de evitar as ondas do tsunami impede que a malignidade do resto do mundo nos alcance? Tenho minhas dúvidas. Falta-nos, como impuseram os reacionários americanos a Obama, uma agenda, mas que seja nova, e não a desgastada do "clube do chá" americano. A nova agenda existe, está exposta cotidianamente pela mídia e não é propriedade de um partido ou de um governo. Mas onde está a argamassa, como o antigo ideal americano, para conter as divergências, o choque de interesses, e guiar-nos para um patamar mais seguro, mais próspero e mais coeso como nação?
Mal comparando, a presidenta Dilma está aprisionada num dilema do gênero daquele que agarrou Obama. Só que, se no caso americano a crise apareceu como econômica para depois se tornar política, em nosso caso ela surgiu como política, mas poderá tornar-se econômica. Explico-me: a presidenta é herdeira de um Sistema, como dizíamos no período do autoritarismo militar. Este funciona solidificando interesses do grande capital, das estatais, dos fundos de pensão, dos sindicatos e de um conjunto desordenado de atores políticos que passaram a se legitimar como se expressassem um presidencialismo de coalizão no qual se troca governabilidade por favores, cargos e tudo o mais que se junta a isso.
Essa tendência não é nova. Ela se foi constituindo à medida que o capitalismo burocrático (ou de Estado, ou como se queira qualificá-lo) amealhou apoios amplos entre sindicalistas, funcionários e empresários sedentos por contratos e passou a conviver com o capitalismo de mercado, mais competitivo. Na onda do crescimento econômico as acomodações foram-se tornando mais fáceis, tanto entre interesses econômicos quanto políticos (incluindo-se neles os "fisiológicos" e a corrupção). No início parecia fenômeno normal das épocas de prosperidade capitalista, que seria passageiro. Pouco a pouco se foi vendo que era mais do que isso: cada parte do Sistema precisa da outra para funcionar e o próprio Sistema necessita da anuência dos cooptáveis pelas bolsas e por empregos de baixo salários e precisa de símbolos e de voz. Esta veio com o "predestinado": o lulismo anestesiou qualquer crítica não só ao Sistema, mas a suas partes constitutivas.
É neste ponto que o bicho pega. A presidenta é menos leniente com certas práticas condenáveis do Sistema. Entretanto, quando começa a fazer uma faxina, quebram-se as peças da engrenagem toda. Sem leniências e cumplicidades entre as várias partes, como obter apoios para a agenda necessária à modernização do País? E sem ela, como fazer frente à concorrência da China, à relativa desindustrialização, ou melhor, "desprodutividade" da economia, e como arbitrar entre interesses legítimos ou não dos que precisam de mais apoio do governo, advenham eles de setores populares ou empresariais? É cedo para prever o curso dessa história, que apenas começa. Mas não há dúvidas de que para se desfazer da herança recebida será preciso não só "vontade política", como, o que é tão difícil quanto, refazer os sistemas de alianças. É luta para Davis e, no caso, Golias é pai de Davi.
SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

terça-feira, 19 de julho de 2011

MERCADO DE TRABALHO, TRABALHO ASSALARIADO E TRABALHO INTELECTUAL

MERCADO DE TRABALHO, TRABALHO ASSALARIADO E TRABALHO INTELECTUAL

Marilene Nunes[1]

A economia política marxista ortodoxa têm sérias dificuldades para definir as três categorias que dão título a este texto, gerando muita confusão. Do imbróglio são cometidos vários equívocos quando se pretende remunerar o produto do trabalho, seja através do assalariamento ou por meio de pró-labore.

Acredito que o problema reside na incompreensão dos teóricos acerca da definição do conceito de valor enquanto tese válida para compreender e explicar a dinâmica da sociedade capitalista contemporânea.

Utilizo conceitualmente o termo valor não no sentido axiológico que a filosofia lhe confere, mas na acepção econômica que Adam Smith discorreu na sua obra “A Riqueza das Nações”. Para Smith valor é tempo, e é o tempo quem move toda a economia na sociedade capitalista. O conceito de valor como tempo e como epicentro de toda a produção econômica também é parte da grande obra de Karl Marx “O Capital”, porém esta tese curiosamente subsiste com uma outra, que lhe é antagônica. A tese antinômica é a do “Fetiche da Mercadoria”.

A crítica dos modelos epistemológicos contraditórios em “O Capital” foi muito bem formulada pelo grande pensador marxista João Bernardo, no seu monumental texto de economia política “Marx Crítico de Marx”. Nesta obra, Bernardo mostra como as teses do “Valor Tempo” e a do “Fetiche da Mercadoria” são inconciliáveis, porque se situam em campos epistemológicos opostos, cujos axiomas se anulam reciprocamente. Na tese do “Fetiche da Mercadoria”, o sujeito do processo de produção, o trabalhador é reduzido a elemento acessório e a mercadoria emerge deste paradigma como um ser metafísico que inaugura um espaço completamente alheio à produção, o mercado. O capitalismo seria então um grande espaço de trocas de mercadorias regido por leis transcendentais para um suposto mercado anárquico existente fora da produção. As mercadorias seriam os produtos tangíveis, as coisas de natureza visíveis e palpáveis, que lançadas ao mercado estabelecem relações de trocas entre si independente dos produtores. A relação que antes sociais entre os produtores, no mercado é aniquilada pelo fetiche da mercadoria que impõe a sua vontade no mercado sobre os consumidores, dissimulando o caráter social da troca. A palavra “fetiche” significa feitiço, ou seja, poder sobrenatural sobre algo.

O outro campo epistemológico pensado por Marx, a tese do “Valor Tempo”, expõe a prática de trocas entre os produtores como uma relação social, aniquilando assim a metafísica da troca entre coisas, num suposto mercado platonicamente externo a produção. Valor é tempo de trabalho incorporado, seja nos produtos no processo de trabalho, seja incorporado no próprio trabalhador no processo de sua formação. Assim economicamente tudo é produção na sociedade capitalista contemporânea. Nada lhe é externo, a produção abrange a totalidade da realidade social humana e o mercado é parte substantiva da produção.

Dessa forma, pode-se dizer que a tese “Valor Tempo” é a antinomia da teoria do “Fetiche da Mercadoria”.

A teoria do “Fetiche da Mercadoria” encontrou campo fértil na literatura esquerdista e a proliferação nos seus discursos, como um eterno anátema não se deu tanto pela incompreensão das teses contraditórias de Marx, por seus autores. A ênfase dada à tese do “Fetiche da Mercadoria” estava associada a uma estratégia política esquerdista de que o conceito “Valor Tempo” não lhes servia para explicar a pretensa importância do acesso da militância esquerdista à burocracia do estado, com o objetivo de domar o suposto mercado anárquico e instaurar o “socialismo”. Ora, se o capitalismo é um modo de produção totalizante, evidentemente que nem o estado lhe escapa ao domínio. Aliás, esta instituição ocupa lugar extremamente importante para o desenvolvimento do capitalismo, que sem a sua atuação organizadora e coercitiva, a economia capitalista estagnaria à medida que é o estado o grande gerenciador das condições gerais de produção.

O estado visto como o “homem coletivo artificial” que domina as paixões humanas, e que lhes arranca da sua condição natural - como pensou Thomas Hobbes - emerge da ideologia esquerdista como o grande “Leviatã”, o monstro de muitos tentáculos, de forma bem mais assustadora do que a descreveu o profeta Jó, no antigo testamento hebréio. O “Leviatã” esquerdista é o absolutismo levado às últimas conseqüências do absurdo de que são exemplos os capitalismos de estado nazista e soviético. O estado e o mercado cindidos da produção são como dois “Leviatãs” que pairam autônomos, absolutos e contraditórios no sistema capitalista. O primeiro autoritário e coator e o segundo permissivo e anárquico. O campo prático de existência do trabalhador, como espaço de produção, é silenciado pela concepção do estado e do mercado autônomos.

O mercado, na tese do “Valor Tempo” integra a produção. Sendo assim, o valor da força de trabalho, no mercado de trabalho, será determinado pelo valor dos produtos e serviços necessários à reprodução do trabalhador. Dentre os mais importantes, inclui-se alimentos, higiene, roupas, calçados e todos serviços relativos à saúde e a educação e ao lazer.

Quanto mais desenvolvida economicamente uma formação social, menor será o custo da reprodução da força de trabalho, porque as mercadorias e serviços para a sua subsistência serão produzidos num tempo médio muito inferior ao tempo que o trabalhador despenderá quando empregado. Assim o cálculo médio do salário tem como base o valor médio de produção das mercadorias e serviços considerados básicos para a sobrevivência de um trabalhador assalariado. Inversamente o aumento de custo desses serviços e mercadorias incidirá na restrição ao acesso de consumo, comprometendo a qualificação da força de trabalho e conseqüentemente o avanço tecnológico nas empresas.

Os ciclos de desenvolvimento tecnológicos estão diretamente correlacionados ao aumento da produtividade e a elevação da qualificação e da capacitação do trabalhador assalariado. A implementação de tecnologia decorrente da elevação da qualificação da força de trabalho visa aproveitar a componente intelectual do trabalho oriunda do acréscimo de capital intelectual. É preciso esclarecer que trabalho intelectual e capital intelectual se referem a coisas distintas. O trabalho intelectual é aquele que exige habilidades e competências cognitivas mais complexas do que o simples esforço muscular. Contudo, toda a atividade laborativa possui uma componente em maior ou menor escala de esforço intelectual ou muscular cuja intensidade depende do estágio tecnológico em se encontra a organização. Nos primórdios do capitalismo, todo o pensamento intelectual complexo lhe era exterior somente com o advento da implementação constante de tecnologia no processo produtivo, elevou a necessidade de apropriação do saber científico impondo-lhe uma lógica instrumental. Todo o conhecimento oriundos desse processo: maquinário, tecnologia informacional, instalações e infraestrutura de ponta, banco de dados de múltiplas informações, recursos humanos com habilidades de realização de trabalho complexo se constituem em capital intelectual. O capital intelectual é o conjunto complexo de valores com a capacidade ilimitada de reprodução de novos valores. Assim, capital intelectual é o principal ativo não financeiro que tem se tornado o principal recurso para o contínuo desenvolvimento de diferentes tipos de organizações. Quanto mais elevada for a capacidade de agregar valor nos produtos, por incorporar extenso capital intelectual, mais difícil se torna definir o preço da força de trabalho detentora deste capital. É o caso dos consultores. O valor de seu pró-labore não se define pelo valor médio de mercado como os dos trabalhadores assalariados que inserem num ciclo de produção.


[1] A autora é graduada em Pedagogia pela UFRGS – RS. Mestre em Economia Política pela mesma universidade. Doutora em Gestão e Políticas Públicas pela USP-SP. Especialista em Gestão do Conhecimento pela FGV-SP. Especialista do Conselho Estadual de Educação – SP. Professor Assistente Doutor na UNESP- SP.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

A PLC 122/2006 e a "desGAYficação"

Medo da perda da “desGAYficação”? As igrejas evangélicas que “desGAYficam” tem alcançado os seus objetivos em “curar” homossexuais. Eles são curados “eternamente”, considerando a alta taxa de suicídios de “gays curados”. Tudo em nome de Deus.

Em primeiro lugar, as relações homossexuais são problemas íntimos das pessoas. Como são, também, as relações heterossexuais. Quando uns e outros trazem estes relacionamentos para o público cometem atentados ao pudor. Nada de mais.

Por trás dos relacionamentos sexuais existem as questões ético-religiosas, calcadas no pavor que se tem ao corpo humano. A procriação “é natural”. Ninguém discute. As formas de as pessoas se relacionarem são comportamentais. É verdade que em muitos grupos indígenas a procriação é uma necessidade de sobrevivência e existem regras para que sempre haja um equilíbrio entre homens e mulheres. Há o relacionamento para procriar, mas pode haver outros tipos de relacionamentos. Para isto existem regras. Procria-se com quem pode e não com quem quer. As proibições são várias regidas pelos padrões de incestuosidade.

Têm-se notícias de relacionamentos chamados de homossexuais. A título de brincadeiras, jogos, mas que vão desaparecendo com a chegada dos religiosos que transmitem aos índios os nossos padrões de moralidade.

Se observarmos nas sociedades cristãs, permite-se às mulheres o sexo anal e não aos homens. Por que? O sexo tem uma analogia com a política. Quem penetra é ativo e quem é penetrado é passivo. Tanto é que aquele que penetra num homossexual não se considera como tal. Ele é ativo. Os romanos herdaram dos gregos e transmitiram a todos os povos que conquistaram que o homem tem que ser política e sexualmente ativos. As mulheres devem ser política e sexualmente passivas e assim lhes é permitido o sexo anal.

É por aí que consigo entender esta luta contra a chamada “lei da homofobia”. De um lado os grupos gays procurando uma proteção legal, não só contra os preconceitos que sofrem e de outro lado os grupos religiosos contra ela, pois as suas atitudes contra a homossexualidade poderão ser consideradas como passíveis de punições.

Esta discussão toda a respeito deste projeto de lei 122 levou-me a ler o seu texto para ver o que ele tinha de tão terrível. Nada de mais.

O PLC 122/2006 pretende mudar o Art. 1º da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 que dizia o seguinte:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor.

A Lei nº 9.459, de 15/05/97 mudou a sua redação para:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

O PLC 122/2006 pretende mudar a redação deste artigo para:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.

Será a terceira redação deste artigo. A primeira, o original, que foi acrescido de “etnia, religião ou procedência nacional” e agora que se pretende acrescentar “origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero”.

Claro que mesmo assim este artigo deixa de fora muita coisa. A pessoa idosa não pode ser discriminada, mas as pessoas jovens podem? A heterossexualidade é uma orientação sexual e então porque os heterossexuais estão contra? Eu sou a favor, pois não poderei ser discriminado na minha heterossexualidade.

Uma Lei é coisa séria; ela deverá ter efeitos para toda a sociedade e quando ela começa a ser minuciosa passa a ser injusta. E discriminatória. Como pode ser discriminatória uma lei que pretende coibir a discriminação. Se isto existe é porque temos grande dificuldade em aceitar o outro, o diferente.

Por fim a redação de uma Lei não pode ficar as mãos de militantes, sejam eles quais forem. A militância é discriminatória.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Nós e os politicamente corretos.

Nuvens negras escureceram a tarde ensolarada que na sua branquidão prometia enfeitar a tarde. Estas nuvens, no seu pretume, prometem tempestade. Os voos para Guarulhos vão atrasar as nuvens estão onde os aviões entram na reta final para o pouso. O vento começa assoviar por todas as frestas de casa, em outros momentos imperceptíveis. Corri a fechar todas as janelas, portas, pois da última vez que esta pretidão “enfeitou” o meu céu, eu me senti dentro de um CB (cumulus nimbus), fez entrar chuva por frestinhas da janela que eu desconhecia, molhou a minha mesa de trabalho. Tive que refazer muitos documentos.

Coloquei este texto numa rede social e logo após fui aconselhado a retirá-lo porque soava preconceituoso porque falei de nuvens negras, do seu pretume, da pretidão sobre a minha cabeça. Preconceituoso? Com o que? Com as nuvens? Deus por eu me queixar dos estragos por Ele causados? Ora, se existe Deus, por que iria se preocupar comigo quando tem muitos pretensos religiosos tirando dinheiros de tantos infelizes que Nele acreditam?

Não é nada disto, afiançaram-me. Quando eu falo em negro estou me referindo aos afrodescendentes. Não poderei fazer isto. É politicamente incorreto. Para ser politicamente correto como deverei chamar as nuvens negras? Não brancas. Mas o não branco é negro. Como a noite em que faltam as luzes. Eu gosto de escrever com canetas de tinta preta, como são pretos os caracteres deste texto. Como chamaremos a camisa alvinegra do coringão? Como direi que o meu tricolor viu a sua situação preta frente à torcida quando um galináceo chegou ao número cinco?

Negros eram os escravos no Brasil escravocrata. Negros da Terra eram os índios escravizados e Negros de Guiné os escravos traficados da África para cá. Os colonizadores quinhentistas eram politicamente incorretos, não porque escravizavam, mas porque chamavam os escravos de negros.

A ética da escravidão considerava que os cativos eram pessoas sem luz, nas trevas do saber. Os negros de Guiné eram de cor preta e eram negros, destituídos de suas condições humanas. E de saber.

Eu tenho um amigo negro. Desculpem-me, afrodescendente. Professor universitário, mestre e doutor em sociologia. Mostrou-me no seu cartão de identidade. Mandou o funcionário do órgão de identificação mudar a cor negra por preta. Disse-me, se o branco é branco, por que eu tenho que ser negro e não preto? Estão me discriminando.

A obrigatoriedade de ser politicamente correto está atingindo altos níveis de intransigência. O interessante é que os ativistas do politicamente correto brasileiros estão seguindo os passos do norte-americano mais politicamente incorreto, Joseph McCarthy, senador norte-americano famoso pelo seu patrulhamento ao comunismo. O patrulhamento, qualquer que seja ele, é um comportamento macarthista. Entra na lista negra. Ah, não pode! Como será chamada a lista negra?

O ativismo politicamente correto é um modelo de comportamento reacionário e discriminador, preocupado em encontrar discriminações, discriminações dentro do seu horizonte de valores. São os patrulhadores da atualidade.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A imprensa e a boa educação

Ainda está rendendo o conflito entre Requião e o jornalista. E quem acompanha a vida política de Requião conhece a sua forma agressiva quando se vê frente à uma contestação. As suas brigas com o judiciário são famosas.

Transformar estes conflitos em atos de censura à imprensa não é correto. A censura se caracteriza se ela for institucional. É claro que Requião tem se valido da sua autoridade (institucional: governador, senador, etc.) para fazer valer as suas idiossincrasias. O mesmo vale para Bolsonaro, que disse que fala e continua falando porque é deputado e tem imunidade. Ou seja, valem-se das suas autoridades institucionais para agredir os outros.

Outro dia estava ouvindo uma discussão um “debate” na Rádio CBN de um militante da causa ambiental com o deputado Aldo Rabelo. O militante foi grosseiro para com o deputado e não deixava falar. Se fosse com Requião sairia briga, diferente do cavalheirismo de Aldo Rabelo. Sae o deputado tivesse atitude semelhante ao militante seria chamado de censor.

A imprensa é boa, deve ser investigativa, mas não policial. No mau sentido. Terá que respeitar os seus entrevistados. Não deve entrevistar como se estivesse numa masmorra. Além disto, não interessa ao leitor ou ao ouvinte a opinião do jornalista (ou repórter), mas a do entrevistado. Este é a notícia.

Voltando ao início: considerar uma resposta malcriada ou uma reação de agressão física de um entrevistado como censura ou como um ato de se impedir o trabalho jornalístico é machucar a inteligência do leitor (ou do ouvinte ou do espectador).

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Igualdade e diferença sociais

No imbróglio político-mediático provocado pelo deputado federal falastrão Jair Bolsonaro (PP-RJ), o sistema de cotas foi um dos temas que entrou na discussão em termos de ser a favor ou ser contra.

O sistema de cotas é em princípio necessário, tem os seus aspectos positivos, mas poderá acarretar danos futuros. Tem sido chamado de um programa de discriminação positiva, mas toda discriminação, seja ela positiva ou negativa, traz problemas e uma desigualdade que se queira corrigir poderá se tornar maior.

A política de cotas foi pensada e instituída como um mecanismo para diminuir as desigualdades na sociedade brasileira. A partir do momento da sua aplicação nos exames vestibulares houve manifestações de supressão de direito, pois alunos com avaliação que lhes dava direito ao ingresso numa universidade foram preteridos pelos chamados cotistas. O sistema deu direito a alguns em detrimento ao direito de outros. Foi um desrespeito à Constituição Federal na sua parte em que diz que todos são iguais perante a lei. Mas também era uma inconstitucionalidade a existência de pessoas que por motivos sociais, econômicos, de etnia e outros, tem-lhes negado o acesso à universidade.

A Constituição Federal no seu Art. 37, Alínea VIII prescreve que “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”. Com base neste artigo, o Estado do Rio de Janeiro reservou 50% das vagas nos vestibulares das universidades estaduais para alunos da escola públicas estaduais. Se por um lado poder-se-ia justificar a medida da reserva de vagas nos vestibulares para alunos das escolas estaduais, por outro lado há o caso da universalidade do ensino superior e o critério de mérito ao seu ingresso.

A lei federal no 10.558, de 13 de novembro de 2002 criou o Programa Diversidade na Universidade. Segundo o seu art. 1o , “fica criado o Programa Diversidade na Universidade, no âmbito do Ministério da Educação, com a finalidade de implementar e avaliar estratégias para a promoção do acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos, especialmente dos afrodescendentes e dos indígenas brasileiros”.

A lei previa repasse de verbas da União ao Programa pelo período de três anos (Art. 3º) e não havia qualquer outra referência ao tempo de execução do programa. A Lei federal 11.507 de 2007 revogou o Art. 3º tornando o programa permanente sob a tutela financeira da União. O seu Art. 2º define uma política de ação afirmativa que consiste na “necessidade de promover a representação de grupos inferiorizados na sociedade e conferir-lhes uma preferência a fim de assegurar seu acesso a determinados bens, econômicos ou não” (Moehlecke, 2002:200).

A política de ação afirmativa envolve práticas e a mais conhecida e alvo de debates, muitas vezes inflamados de opiniões contra e a favor, “é o sistema de cotas, que consiste em estabelecer um determinado número ou percentual a ser ocupado em área específica por grupo(s) definido(s)” (Id. P. 199).

Iniciei este texto com o imbróglio causado pelas declarações do deputado porque reflete a opinião das pessoas contrárias ao sistema de contas. As respostas dos partidários ao sistema de cotas mais confundiam que explicavam. Para a população esse sistema é um grande enigma injusto.

Por que uns têm direitos e outros não, se a legislação e a Constituição Federal, em particular, atribuem direitos iguais a todos. Por que o Brasil é um país tão desigual – isto é, é monstruosa a sua desigualdade social (e econômica) – se apregoamos, a todo o momento que todos somos iguais perante a lei?

Desigualdade e diferença são conceitos que se entendem como aparentemente semelhantes nas discussões a respeito das cotas. Refletindo um pensamento o político citado acima afirmou que nunca embarcaria num avião pilotado por um cotista. Diria com isto que um beneficiário do sistema de cotas nunca se igualaria a outro que chegara a piloto, por esforço próprio, sem os benefícios alguma ação positiva. Os dois pilotos (o cotista e o não-cotista) seriam sempre diferentes nas suas aptidões profissionais. Esta “diferença” seria uma desigualdade nunca superada.

O que significa desigualdade social e diferença social? Vou me utilizar das conceituações do Prof. Fábio K. Comparato. Segundo ele, as diferenças sociais são as

diferenças que têm uma base natural ou, então, são produto de uma construção cultural. Tem uma base natural a diferença entre os sexos; isto provoca, inelutavelmente, uma diferença de comportamento social, uma diferença de posição social. Por outro lado, existem diferenças fundadas, digamos assim, num condensado cultural: costumes, mentalidades. Todos aqueles que seguem uma mesma religião, que têm uma mesma visão do mundo e uma mesma tradição tribal ou grupal, distinguem-se dos demais; são diferenças nítidas (Comparato, 1998:1).

As desigualdades, por outro lado,

dizem respeito não a diferenças naturais ou culturais, mas a um juízo de superioridade e inferioridade entre grupos sociais, entre camadas sociais, entre classes sociais. E este juízo de superioridade ou inferioridade acarreta, necessariamente, uma apreciação de estima ou desestima de um grupo em relação ao outro - de onde os preconceitos - e de valor social. Ou, então, fundamenta posições jurídicas nítidas: tal grupo tem tais direitos próprios, que são conhecidos, na técnica tradicional do Direito, como privilégios; outro não tem direitos, é um subgrupo, não pode se igualar aos demais (Id)

A educação indígena, por exemplo, e a qual eu tenho mais familiaridade, tem como objetivo manter as diferenças (étnicas) e eliminar a desigualdade. A eliminação da desigualdade. A Constituição de 1988 reconhece os direitos de um “outro”, mas a legislação, na sua maioria, é anterior a 1988 e relutante ao reconhecimento do “outro”.

O Estado promoveu cursos de formação de professores indígenas. O Estado de São Paulo forneceu curso de pedagogia para professores indígenas e outros Estados brasileiros fizeram o mesmo. As escolas indígenas compõem a rede de ensino estadual e os professores indígenas terão que se sujeitar a concursos de ingresso. É exigência que o candidato seja portador de documentação como cédula de identidade, cadastro na Receita Federal, etc. O Estatuto do Índio foi aprovado na vigência do Código Civil de 1916 que o define como relativamente incapaz, tutelado pelo Estado enquanto forem se “adaptando à civilização do País (Artigo 5º, III, § único)[1]. O curso universitário e a posse dos documentos atestariam a sua capacidade civil e a perda da tutela. Este ato o afastaria a sua comunidade e o exercício da docência far-se-ia do mesmo modo de um professor não índio, sujeito, até, a proibição de ingresso nas áreas indígenas.

Acresce que a desigualdade social, como salienta Comparato, por juízos de superioridade e de inferioridade que “acarreta, necessariamente, uma apreciação de estima ou desestima de um grupo em relação ao outro - de onde os preconceitos - e de valor social”(Id.). Os índios são citados no Código Civil de 1916 como silvícolas, uma condição inferiorizada quando comparados com os civilizados. O Código Civil atual tratos como índios.

O caminho para a igualdade social é um processo de ocupação de espaços sociais e isto causa conflitos. Voltando ao exemplo da educação indígena, houve denúncia de delegados de ensino assediarem os índios para não aceitarem professores indígenas com o argumento de que os professores não-índios eram melhores. Apesar de a legislação determinar que os docentes das escolas indígenas devam ser bilíngues e membros da mesma etnia.

O sistema de cotas tem como objetivo diminuir (acabar será uma utopia) as desigualdades, mantendo-se as diferenças. Em muitos aspectos está havendo uma igualdade de gêneros, mantendo-se as diferenças entre homens e mulheres.

As ações afirmativas deverão ser um programa contínuo, mas o sistema de cotas, umas das suas práticas, deverão ter limites de tempo. Por exemplo: o sistema de cotas nas universidades decorre das desigualdades existentes nos ensinos básico e médio. Uma reestruturação destes dois níveis de ensino para oferecer ensino de qualidade a todas as crianças independentemente de níveis socioeconômicos, etnia, etc. diminuiria a desigualdade social e a continuidade dos estudos dependeria do mérito pessoal de cada aluno.

COMPARATO, F. O Princípio da igualdade e a escola. Cadernos de Pesquisa, n.104, p.47-57, jul. 1998 (Disponível em http://www.iea.usp.br/artigos/comparatoigualdadeeescola.pdf ).

MOEHLECKE, Sabrina. Ação afirmativa: História e debates no Brasil. Cad. Pesqui. [online]. 2002, n.117, pp. 197-217. ISSN 0100-1574.



[1] Segundo o Art. 4º, §único do Código Civil de 2002 “A capacidade dos índios será regulada por legislação especial”.

quinta-feira, 17 de março de 2011

As usinas nucleares japonesas

O japonês é um povo reconhecidamente bem organizado da história recente tem mostrado a sua capacidade de se recuperar de catástrofes.

Hoje pela manhã li a manchete do jornal O Globo no jornal da TV de que uma fonte norte-americana informava que o Japão havia perdido o controle com relação às explosões nas usinas nucleares.

Agora no dia 28 de março completará 32 anos o acidente em Three Mile Island. Em 26 de abril de 1986 aconteceu o desastre de Chernobyl que daqui a um mês completará 25 anos. E agora no Japão. Não sei se houve mais algum acidente além destes três. Enquanto que nos dois primeiros casos foram acidentes provocados pelo equipamento e que no caso de Chernobyl com uma combinação de falha humana, no caso do Japão a causa foi um acidente natural.

Há algo que une os três acidentes: perda de controle sobre o equipamento. Parece-me que foi dominado o processo da fusão, mas inda não foi dominado (ou conhecido) o processo de interrupção da fusão. Leva-nos concluir que se sabe ligar a chave, mas não se sabe desligar.