sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Lenitivos


Lenitivos
                        Carmela,

As vezes me ponho a pensar
Nos arrebóis do nosso amor...
- Eu colibri a esvoaçar,
   E tu, virgem roseira, em flor...

De palpitações me nutria,
E que saudoso palpitar!
- Minha alma, abelha que sorria,
   Entre volúpias, ao néctar...

Colibris vêm ao jardim
Vêm uma flor! Voam em vão,
Deixou-o a canícula, assim.

Entanto, daquela, o esplendor
Mesmo da vida no verão,
Satura-me ainda de amor!

Morretes, Pitinga, 1927
Francisco Serôa da Motta Sobrº


O meu avô materno chegou em Curitiba por volta de 1905, quando conheceu a minha avó, Maria Carmela Sentone. Meu avô vinha de uma maratona de vida. Nasceu na cona rural de Propriá, Mata da Vara e perdeu a sua mãe no parto. Foi criado por duas de suas tias maternas e na adolescência foi para Recife viver com um seu tio, também materno e homônimo, militar e comandante de uma unidade do Exército. Quando chegou na idade do serviço militar sentou praça e logo a seguir, na graduação de sargento apresentou-se voluntário para seguir ao Acre, época da crise com a Bolívia. A viagem era feira por vias marítima e fluvial (claro há pouco mais de um século!). Quando se aproximava do rio Purus a tropa foi acometida de beribéri (deficiência de vitamina B1 – tiamina). O barco retornou e seguiu direto para o Rio de Janeiro para internação no Hospital Central do Exército. Restabelecido, foi enviado para Lorena onde havia uma unidade de repouso. Finda esta segunda fase de recuperação foi transferido para a Colônia Militar de Xanxerê, oeste do atual Estado de Santa Catarina. Em Curitiba teve a sua transferência reformulada para Foz do Iguaçu. Esta viagem, contava o meu avô, era feita cm carroções até Guarapuava e daí para frente a cavalo. Pelos relatos, estas tropas seguiam pelo Peabiru, o caminho trilhado pelos índios guaranis entre as terras que hoje são o Paraguai e a costa Atlântica.

No período em que ficou em Curitiba conheceu a minha avó, Maria Carmela, estudante do Instituto de Educação do Paraná. Houve uma farta correspondência entre os dois, quase toda em cartões postais. Cartas de amor. Quando minha avó faleceu o meu tio que vivia com ela queimou toda a correspondência. Mas sobram alguns cadernos manuscritos. Alguns ficaram comigo e outros com minhas irmãs.

O meu avô, ao regressar de Foz do Iguaçu, pretendeu ingressar na Escola Militar o Exército, para o curso de oficiais. Isto aconteceu quando o Marechal Hermes da Fonseca assumiu o Ministério da Guerra e o reestruturou. Dentre as mudanças houve o impedimento que os graduados alçassem o oficialato. Isto o magoou muito e o levou a deixar o Exército. Nesta época a minha avó era professora na zona rural de Araucária, Guajuvira.

Casaram e foram morar onde a minha avó lecionava e o meu montou uma fábrica de refrigerantes, gasosa, como é conhecida no Paraná. A maior parte da produção era vendida em Curitiba, transportava de carroção. O meu bisavô era o napolitano, casado com uma moça de Iguape.

Por volta de 1915 resolveu comprar terras em Morretes. Soube que o Estado estava oferendo títulos de propriedades de terras devolutas a interessados. Meu avô conseguiu as terras e a minha avó a sua transferência para a escola rural do Rio Sagrado. O casal era o mais – senão o único da região. Enquanto a minha avó lecionava o meu avô se tornou o inspetor de quarteirão e uma espécie vice-prefeito. O padre nomeou-o responsável (capelão) da capelinha de Santo Antônio, construída no alto de um morro onde os meus pais casaram.

O beribéri deixou a sua marca no meu avô. Provavelmente pelos esforços na lavra das suas terras, os efeitos da doença retornaram por volta de 1925, 1926. Comentava que por duas vezes viu-se às portas da morte.

No período de recuperação da segunda fase da sua doença começou a escrever e a “poetar”. E a expressar o seu amor à sua Maria Carmela. Muitos dos poemas do meu avô falam de morte no sentido espiritual do que no sentido físico. Eu ainda me lembro dos comentários do eu avô quando o seu pai e as duas tias que o criou faleceram. Ele comentou que recebera um aviso e algumas semanas depois recebia uma correspondência, geralmente do seu primo Lourival, falando do falecimento.

O meu avô era como um imigrante. Um brasileiro em terras nacionais, mas em comunidades imigrantes. O Paraná por muito tempo foi uma Província desabitada, região de criadores de muares das tropas que viajavam entre o sul e São Paulo, a Quinta Comarca de São Paulo, “abandonada” na metade do Século por ser republicano e a sede (São Paulo) monarquista.








Um comentário:

Unknown disse...

A gente fica admirado com versos tão bem elaborados e palavras rebuscada, com um vocabulário rico.
José Carlos Paraguaio.