sábado, 10 de maio de 2014

Comentários sobre a pornografia[1]


Costuma-se falar, com um alto grau de ironia, que a pornografia é o erotismo do outro. Quando ouvimos tal afirmação é sinal que estamos caminhando pelas trilhas da moral. Tentar definir algo envolto por idéias de moral é muito difícil pela, sua subjetividade. Poderemos dizer que pornografia é tudo aquilo que ofende a moral sexual e, considerando a moral sexual uma das morais mais rígidas, a pornografia é a faceta mais ampla da sexualidade.

Há duas décadas um juiz apreendeu uma edição de uma revista sexy que aparecia na capa uma mulher com o dorso nu, com a alegação de que seios à mostra eram pornográficos. Ordenou o acondicionamento das revistas em envelopes pardos. Este fato ilustra a compreensão da pornografia como algo exposto.

Uma maneira para se compreender de que pornografia é uma sexualidade exposta, num ponto extremo desta linha moral, estariam todas as formas de proibições. O erotismo, nesta imagem, estaria no meio da linha em direção da pornografia.  Em outras palavras, a moral aceita e a contestação à moral. Todos os fatos que acontecem em sociedade são binários e de oposição. O que seria do bem sem o mal? Do bom sem o ruim? De Deus sem o diabo? Dos anjos não fossem os íncubos e súcubos? Da moral sexual sem a pornografia? Quanto mais acerbada a moral sexual, mais floresce a pornografia.

Quando se fala em pornografia reduzimo-la ao sexo exposto, escancarado, como uma agressão. Se percorrermos a história veremos que a agressão é hora moral, ora política, ora as duas. Terá a forma de agressão pessoal na media em que estivermos envolvidos no contexto em que ela atinge.

A invenção da tipografia se tornou uma aliada à difusão da pornografia. Pietro Aretino (1492-1556) é considerado o primeiro pornólogo. Em Cartas sobre os Sonetos escreveu: "Diverti-me [...] escrevendo os sonetos que podeis ver [...] sob cada pintura. A indecente memória deles, eu a dedico a todos os hipócritas, pois não tenho mais paciência para as suas mesquinhas censuras, para o seu sujo costume de dizer aos olhos que não podem ver o que mais os deleita [...] Que mal haverá em contemplar um homem a possuir uma mulher? Serão os mesmos animais mais livres do que nós? Não é mister ocultar órgãos que engendraram tantas criaturas belas. Seria antes mister ocultar nossas mãos, que nos dissipam o dinheiro, fazem juramentos falsos, emprestam a juros usurários, torturam a alma, ferem e matam" (http://www.germinaliteratura.com.br/erot_agopa.htm). Uma crítica política e uma crítica moral.

“No século XVIII a França foi para toda a Europa o modelo da arte de amar e mais precisamente da arte de gozar” (Alexandrian. História da Literatura Erótica. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. P.161). Mas também foi o século que esta literatura sofreu perseguições, entrando no rol dos livros proibidos.  A proibição abrangia os livros que tratavam “da libertinagem” praticada  por trás dos muros dos palácios e dos castelos pela aristocracia e pelo clero. Estes livros circulavam na França sob o rótulo de livros filosóficos e eram escritos com o objetivo de desacreditar estas duas categorias nos tempos que antecederam a Revolução Francesa (Robert Darnton Edição e Sedição: o universo da literatura clandestina do século XVIII. São Paulo: Companhia da Letras, 1992).

Muitos dos livros proibidos tornaram-se partes da literatura erótica e muitas gravuras, hoje, fazem parte do acervo da arte erótica. Um exemplo brasileiro sugestivo são os Catecismos de Carlos Zéfiro. Com este nome um funcionário público desenhava historias em quadrinhos e sacanagens, que eram vendidas para um editor. Carlos Zéfiro era um apelido para escondê-lo da rigidez do estatuto de funcionários que poderia puni-lo com a demissão. Ele foi descoberto no ano anterior à sua morte. Antes de ele ser descoberto as suas historietas já faziam parte da literatura erótica e os seus desenhos, artes eróticas.

A distância ou proximidade da pornografia da literatura erótica ou da arte erótica, varia de acordo com os valores do momento histórico em que isto acontece e que permitem a aceitação naquelas novas categorias.

Quando fazia a minha pesquisa na qual analisava a relação da pornografia com a moral sexual, eu me perguntava: porque a Playboy é considerada uma revista erótica e a Private (uma revista do mercado pornográfico, na época) não é? O texto, as fotos, a editora e os leitores da revista Playboy davam-lhe esta classificação como erótica, o que não acontecia com a outra. Subjetivamente.

Mauro Cherobim.  Mestre e Doutor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo e Livre-docente pela Unesp - Universidade Estadual Paulista.





[1] Este texto foi publicado (por solicitação) no jornal O Povo de Fortaleza (CE) em dezembro de 2007. 

Um comentário:

H. Thiesen disse...

O mundo nasceu pornográfico, já no interior das cavernas desenhava-se corpos nus, gregos, romanos e povos antigos, usavam da pornografia como expressão do corpo e objeto de adoração. Com o advento do catolicismo, por questão de manutenção do poder e riquezas, criou-se o pecado, os tabus e os preconceitos, hoje passado as fases inquisidora, moralista e puritanista, vê-se uma volta às origens. Construir uma divisão entre erotico e pornográfico é muito complicado, tanto que o erotismo nada mais é do que uma pornografia disfarçada!